* por Rubem de Freitas Novaes
I - Introdução
Vivemos momento histórico em que se evidenciam
sérios problemas na condução macroeconômica e política de importantes países,
inclusive do nosso. Muitos destes problemas foram consequências de políticas
governamentais equivocadas e do inchaço do Estado, este ente cada vez mais
voraz na cobrança de impostos e no endividamento junto ao público. Portanto, a
temática da minha palestra, mais que tempestiva, se impõe, diante das crises
econômicas recorrentes e da perda de confiança nas instituições públicas.
II – A origem do
Estado
Parece assentado que o homem é um animal
complexo que, ao mesmo tempo que busca a liberdade plena, também busca a
aproximação com seus semelhantes na vida em sociedade, quando então interage e
sujeita-se a encontrar limites nos direitos alheios. O que nos diferencia uns
dos outros é o grau com que estas buscas se manifestam em cada indivíduo. Uns,
são mais propensos ao isolamento, ao resguardo do livre arbítrio; outros, a
exemplo dos animais gregários: abelhas, formigas e cupins, almejam em dose
maior a interação social e a segurança da vida comunitária.
Entre
filósofos prosperaram diferentes teorias sobre a natureza humana no que diz
respeito à bondade. Segundo Rousseau, o selvagem era puro, bom e vivia em
perfeita harmonia com seus semelhantes. Teria sido corrompido pela sociedade
que, ao delimitar direitos de propriedade, estimulou vaidades, invejas e
conflitos. No extremo oposto, Hobbes dizia que “o homem é o lobo do homem”.
Segundo ele no estado primitivo, prevaleceriam lutas e guerras, com os mais
fortes se impondo aos mais fracos.
Hoje
parece assentado, também, com respaldo inclusive na neurociência, que posições
extremas não se sustentam. O mal e o bem estão sempre presentes na genética do
homem. Nossa natureza complexa e surpreendente, que nos permite realizar gestos
de grandeza e bondade absolutas, é a mesma que nos faz capazes dos mais torpes
gestos de inveja, egoísmo, raiva, corrupção e violência contra nossos
semelhantes. É óbvio que nem todos possuímos a mesma mistura genética. Há
Madres Tereza de Calcutá e há Fernandinhos Beira Mar. Mas, tanto o bem como o
mal, estão em todos nós.
Pois esta
mesma natureza, onde o mal existe e onde se evidenciam benefícios da interação
social, faz com que o homem esteja disposto a trocar liberdade por ordem.
Surgiria então uma entidade superior – o Estado - capaz de zelar pelos
interesses de todos promovendo a paz. Mais fracos estariam protegidos e os mais
poderosos teriam a ganhar pela prevalência da cooperação econômica e da
harmonia social.
É
certo que alguns Estados embrionários foram criados apenas para a submissão
pela força dos mais fracos e/ou vencidos. E que Marx e Engels postulavam que o
Estado seria apenas um instrumento de dominação da burguesia sobre o
proletariado, dispensável, portanto, quando de ascensão do proletariado ao
poder. Mas a hipótese mais aceita, principalmente para a constituição dos
Estados modernos, é a de um acordo comunitário que cria uma entidade superior
capaz de promover a ordem e a defesa.
Na
visão liberal, buscar-se-ia um mal menor onde a concentração de poder em mãos
do Estado seria menor que a concentração de poder anteriormente detida por
alguns indivíduos ou por grupos de indivíduos.
Outra
questão que se coloca é a de saber como orientar-se sobre o bem e o mal, sobre
o que é certo e errado, para que efetivamente o interesse comunitário possa
prevalecer a partir da ação do Estado. De início, o código básico de conduta
dependeu fundamentalmente de revelações divinas recebidas por autoridades
eclesiásticas. Com o tempo, a razão foi construindo, através da experimentação
histórica e do raciocínio lógico, todo o arcabouço jurídico norteador da ação
do Estado. Mas, nesta matéria, fiquemos por aqui, por hora, enquanto passamos
os olhos pelo contrato social.
III – O Contrato
Social
Já vimos que é preciso um certo tipo de acordo
para que poderes sejam transferidos de particulares a uma entidade superior
capaz de proteger direitos, garantir a ordem e promover a defesa contra
inimigos externos.
Filósofos
que se dedicaram ao tema desenvolveram, com base em hipóteses evolutivas
estruturadas a partir do chamado “estado da natureza”, a ideia de um “contrato
social” onde o papel e a estruturação do Estado seriam definidos de forma
consensual pelo povo. Entre os “contratualistas” destacaríamos as figuras de
Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau
(1712-1778).
Segundo Hobbes a liberdade e a igualdade no estado de
natureza levariam a uma realidade de lutas e guerras permanentes. Indivíduos,
então, para melhorar sua condição humana, teriam de abdicar da liberdade para
garantir a paz, o que fariam atribuindo a um governante soberano, ungido por
vontade divina, poder coercitivo sobre todos os governados. A submissão ao
soberano dar-se-ia de forma voluntária, através de um “contrato social”. Estava
oferecido todo o “rationale” para justificar os regimes absolutistas da época.
Já Locke,
embora também partindo de um estado da natureza conflituoso, apegava-se ao
respeito aos direitos naturais – vida, liberdade e propriedade - na feitura do
contrato social que se realizaria entre o povo e seus governantes. Ou seja,
governantes teriam um mandato específico para defender os direitos naturais,
direitos estes que deveriam nortear e se sobrepor à lei posta.
Qualquer
desrespeito aos direitos naturais poderia dar ensejo à deposição dos
governantes. A importância da liberdade e do direito de propriedade no
pensamento de Locke fez dele um ícone do liberalismo e explicou sua preferência
por uma monarquia temperada, com poderes separados, onde a primazia do
legislativo sobre os demais poderes se impunha por estar respaldada na ação
vigilante da população.
Já Rousseau caminhou alguns passos além na restrição aos poderes dos monarcas.
Sua teoria do contrato partia de uma população outrora livre e pura, que, não
podendo mais subsistir sem interação social, foi se corrompendo e amarrando-se
em grilhões impostos por desigualdades sociais (leia-se: desigualdades na
distribuição de terras). Surgia a necessidade de um pacto que tentasse
restabelecer a liberdade perdida e fizesse impor a “vontade geral”, que não é idêntica à
vontade da maioria ou à vontade da totalidade dos cidadãos. Estava criada a
figura de uma “pessoa coletiva”, com vontade própria, vontade esta que seria a
síntese das mais nobres aspirações populares. E esta “vontade geral” seria a fonte
principal do Direito e não o poder transitório dos governantes.
Como
chegar a esta “vontade geral” nunca ficou bem explicado. O fato é que, na
prática, a “vontade geral” passou a ser a vontade do Estado, “descoberta” pelos
governantes de plantão. Estava posto por Rousseau o ovo da serpente
coletivista, inspiradora de regimes estatizantes de viés populista.
IV – A Evolução
Histórica do Estado
Para entendermos a dimensão atual do que Hobbes
chamou de monstro Leviatã, nada melhor que tentar seguir a sua evolução através
dos tempos.
As
primeiras manifestações de estruturas estatais ocorreram entre 3.000 a.C. e os
primeiros séculos da era cristã. Organizava-se o Estado Antigo ou Estado
Oriental, assim chamado por surgir, de forma precária, entre os antigos povos
do Oriente: chineses, indus, persas, assírios, hebreus, egípcios etc.
Caracteriza-se
o Estado Oriental por ser teocrático e politeista. Como o misticismo dominava o
pensamento popular e os governantes eram prepostos dos deuses - se não eles
mesmos deuses - era enorme a concentração de poderes que permitia a eles,
principalmente, coletar impostos e arregimentar exércitos visando as conquistas
territoriais e a escravização dos povos vencidos.
Na
sequência evolutiva, mas não necessariamente temporal, surge o que se
convencionou chamar de Estado Grego, que nada mais era que um conjunto de
cidades-Estado (as Polis), unidas pela mesma origem bem como por instituições
sociais e religiosas comuns, mas independentes administrativamente.
Caracterizou-se o Estado Grego por uma nítida separação entre a religião e a
política e pela organização do governo com base numa estrutura composta de
assembléias populares, Senado e um corpo executivo que variava de cidade para
cidade (dois reis em Esparta e quatro arcontes em Atenas). Estavam aqui
plantadas as sementes da democracia moderna.
Segue
o Estado Romano, expressão máxima de concentração política e econômica. Nos
seus primórdios era monárquico, de base patriarcal, mas evoluiu para a forma
republicana, como as polis gregas, ao abandonar a realeza hereditária. Note-se
que na república romana o governo era chefiado por dois cônsules eleitos pelos
cidadãos e aconselhados pelo Senado.
Os
ofícios mais importantes eram geralmente exercidos pelos patrícios
(descendentes dos fundadores de Roma) com mandatos de curta duração. E a
população era consultada sobre as leis e outros assuntos importantes em
assembleias realizadas em praça pública. Destaque-se que ao longo do tempo a
Constituição romana sofreu sucessivos aperfeiçoamentos para acomodar direitos
concedidos aos plebeus.
O
regime republicano romano terminou quando, em 44 a.C., depois de uma guerra
civil, Otávio, sobrinho de Júlio César, tornou-se imperador. Após durar mais de
5 séculos, finalmente o império caiu (476 d.C.), enfraquecido pelo grande
crescimento territorial e tomado por invasões bárbaras.
Seguiu-se,
então, ao Estado Romano, o Estado Medieval ou Feudal. Com a desintegração do
Império Romano e as invasões bárbaras, houve o abandono das cidades e a fuga da
população para o campo em busca de subsistência e da proteção dos grandes
proprietários de terra. Ao mesmo tempo que crescia o poder dos senhores feudais,
que passaram a ter controle total dentro de seus domínios, crescia também o
poder da Igreja e das corporações de ofício atuantes nas cidades livres. Em
suma, o Estado feudal caracterizou-se pela sobreposição de centros de poder,
pela condição miserável da população e pela consequente aspiração por uma
unidade perdida.
Segue-se,
ao Estado Feudal, o Estado Moderno. A partir do século XI passa a haver fuga da
população oprimida do campo para as cidades, onde esperava encontrar mais
liberdade e melhores meios de subsistência. A burguesia cresce com a expansão
das cidades e passa a apoiar a unificação do poder em mãos dos reis, já que
isto significava paz e segurança para os negócios. Os reis, fortalecidos, se
impõem sobre a Igreja romana, sobre os senhores feudais e sobre as cidades.
Formam-se, então, por volta do século XV, os primeiros Estados Modernos
(Inglaterra, França, Portugal, Espanha etc.), sob a forma de monarquias
absolutistas com poder soberano sobre territórios definidos.
A
partir da Renascença, no século XVI, cresce paulatinamente a confiança do homem
em sua capacidade de encontrar a verdade fora das revelações divinas. Este
movimento de libertação do homem encontra apoio na pregação dos grandes
pensadores iluministas (séculos XVII e XVIII) no sentido de substituir a fé e a
submissão pela razão e pelo questionamento. Na política a resultante desta
revolução intelectual foi a criação dos Estados Liberais dos séculos XVIII e
XIX, tendo como características básicas o controle do Estado pela Nação, a separação
dos poderes, o reconhecimento dos direitos do homem, a representação popular, a
adequada prestação de contas de governantes aos governados e a conquista de
cidadania plena por grupos outrora alijados das decisões políticas.
Até
aqui na História, os Estados tinham dimensões modestas. Suas funções quase que
se limitavam à manutenção da ordem, à administração da justiça e à proteção
contra agressões externas. Depois da primeira guerra mundial e principalmente a
partir da grande depressão dos anos 30 o viés privatista que se estabelecera
através da influência de grandes pensadores liberais como Locke, Smith, Hume,
Voltaire, Montesquieu, Stuart Mill e Tocqueville deu lugar a uma crescente
participação do Estado.
As
ideias de autores socialistas de diferentes matizes, assim como as ideias de
Keynes, passaram a ter, no Estado Contemporâneo, também chamado de Estado
Social, influência preponderante. O Estado passava a arrecadar mais impostos e
a endividar-se para criar uma rede de proteção social e montar uma estrutura
capaz de regulamentar e intervir diretamente na economia.
Sua
participação no PIB rapidamente cresceu da vizinhança de 20% para atingir a
marca de 40% em alguns países, entre os quais o nosso. Com a expansão do Estado
crescia também o volume de decisões tomadas no âmbito da política em detrimento
das decisões de mercado. Nos dizeres de Delfim Netto, explicitava-se mais que
nunca o conflito entre as urnas (democracia) e o mercado.
V – A Legitimação do
Estado
Antes de avançarmos, convém passar rapidamente
pelo tema da legitimação do Estado. Governantes e teóricos do Estado sempre
acharam conveniente dar reforço ao poder derivado do monopólio da força,
adicionando argumentos nobres que legitimassem este poder.
Hobbes e Bodin baseavam-se no poder divino dos reis. Ao
monarca caberia o direito de reinar por vontade de Deus e não por vontade dos
súditos. Contrariar o monarca significava contrariar a Deus.
Já na visão de Locke o poder estaria legitimado pela defesa dos
direitos naturais - direitos à vida, à liberdade e à propriedade – direitos
estes que não teriam como ser preservados sem a ação estatal.
Há
também o argumento utilitarista. Numa visão utilitarista, tão ao gosto de
economistas, o Estado agiria tendo por objetivo maximizar a utilidade ou felicidade
de todos. Teria legitimidade na medida em que o benefício de suas ações
superasse o custo representado pelos impostos cobrados da população.
Note-se
que os “founding fathers” americanos misturaram argumentos
jusnaturalistas e utilitaristas ao fazerem constar da Declaração de
Independência os direitos “to life, liberty and the pursuit of happiness”,
no que substituíram o “direito de propriedade”, da formulação de Locke, pelo
argumento utilitarista da “busca da felicidade”.
Max Weber, por sua vez indica três fontes de legitimidade política: a defesa
das tradições do passado por aqueles que representariam estas tradições, o
carisma que garante a devoção a um líder virtuoso e/ou heróico e, finalmente, a
autoridade racional-legal derivada da crença de que a conquista do poder ocorre
em respeito a um código específico de leis escritas. Sobre a legitimidade com
base no respeito à lei, Habermas acrescenta o ponto de que o argumento só vale
se se supõe a prévia moralidade das normas jurídicas, com o que aparta os
conceitos de legalidade e legitimidade.
Finalmente,
cabe destacar a argumentação de John
Rawls. Segundo o filósofo de Harvard, para decidir sobre o que é justo,
indivíduos deveriam ser cobertos por um véu de ignorância que permitisse total
abstração sobre suas reais posições na sociedade. Feita a escolha desta forma,
a conclusão seria pela prevalência de princípios de liberdade e igualdade. O
“contrato social” de Rawls imporia idealmente aos governantes um regime liberal
social em que desigualdades só seriam aceitas se pudessem ocorrer em benefício
dos mais carentes. Registre-se que as idéias de Rawls sobre as desigualdades
foram contestadas por seu colega Robert Nozick. Nozick, um libertário, defende
que qualquer desigualdade decorrente de livres escolhas é justa e não deve
merecer a preocupação de governantes.
VI – A Intervenção
Estatal na Economia
“Uma transação no mercado é um problema
político resolvido”. (Aba Lerner)
Teóricos
da Economia também adicionaram idéias relacionadas ao papel do Estado, indicando
situações justificadoras de intervenções corretivas no domínio econômico. A
argumentação dos colegas economistas assim se desenvolve: questões econômicas
ou são solucionadas através do mercado ou são decididas politicamente pelo
voto. Trocas voluntárias e bem informadas no âmbito do mercado são o meio mais
eficiente de alcançar soluções. Em princípio, se alguém está disposto a comprar
e alguém está disposto a vender, ou em qualquer outro tipo de troca, ambos os
participantes ganham e ninguém perde com a transação.
Já
na solução política, a decisão de maioria gera ganhadores e perdedores e não
tem como garantir um “ótimo de Pareto”, onde, hipoteticamente, vencedores
seriam capazes de compensar perdedores. Dever-se-ia, portanto, manter reduzido
o peso do Estado e só levar para suas instâncias aquelas questões para as quais
o mercado muito claramente não encontra soluções adequadas.
Que
situações especiais existiriam então que poderiam justificar a intervenção do
Estado no livre jogo do mercado? A resposta é que estas “falhas do mercado”
apareceriam principalmente no caso de externalidades, no caso dos bens públicos
e nos monopólios naturais. Outra possível “falha” diria respeito à alegada
incapacidade do mercado, se deixado solto, de impedir movimentos cíclicos
recessivos.
As
externalidades, que podem ser positivas ou negativas, aparecem quando há
divergência entre custos e benefícios privados, de um lado, e custos e
benefícios sociais, de outro. Indivíduos ou empresas seriam incapazes de
”internalizar” integralmente os efeitos maléficos ou benéficos de suas ações
sobre terceiros e produziriam de mais ou de menos, conforme o caso. A
externalidade negativa mais notada é a poluição, que estaria a demandar ações
punitivas do Estado sobre quem a emite para que sua “quantidade ótima” seja
alcançada.
Cabe
notar que, em muitos casos de externalidades, quando são baixos os custos de
transação, a clara definição e garantia de direitos de propriedade pode ensejar
negociações entre as partes interessadas conducentes a um ótimo alocativo. Como
nos ensinou Ronald Coase, estaria dispensada, no caso, a intervenção punitiva
ou premiadora do Estado.
Bens
públicos, por sua vez, são aqueles para os quais o consumo de uns não impede ou
prejudica o consumo de outros. Os casos clássicos são os de segurança interna,
defesa contra inimigos externos, iluminação pública e parques/praças urbanos.
Nestes casos, no âmbito dos mercados privados, seria difícil a cobrança de
todos os beneficiados para remunerar adequadamente a produção, já que o “efeito
carona” faria com que muitos escondessem seu interesse esperando que outros
pagassem pelo bem. Deixados ao sabor do mercado, estes bens então seriam
sub-ofertados.
Os
monopólios naturais, também são apontados como falhas de mercado. Monopólios
naturais ocorrem quando é tecnicamente eficiente ter apenas um provedor do bem.
Os casos mais notórios são os de empresas telefônicas, distribuidoras de
energia elétrica e empresas de água e saneamento, todas elas caracterizadas por
elevadíssimos custos de investimento nas redes de distribuição.
Nestes
casos, em que se tornaria antieconômica a duplicação das redes, justifica-se ao
menos a regulação e controle de tarifas por parte do Estado, para que o poder
monopolístico privado não se exerça em sua plenitude. Cabe notar que inovações
tecnológicas têm surgido para competir e retirar poder dos monopólios naturais,
sendo o telefone celular o exemplo mais notório neste particular.
Finalmente,
desde a Teoria Geral de Keynes, soma-se ao rol das “falhas do mercado” a
alegada impossibilidade da economia em recuperar-se naturalmente de uma
depressão deflagrada por crise de confiança generalizada. Nesta circunstância,
o consumo e o investimento privados se retrairiam e só uma ação anticíclica do
governo seria capaz de injetar o necessário ânimo para a recuperação. O
argumento tem fundamento, mas convém lembrar que as digitais do governo
normalmente são encontradas na origem das crises de confiança geradoras de
recessões ou depressões. Além disso, não é demais lembrar que o governo, mesmo
quando acerta no diagnóstico, geralmente erra no “timing” e na dosagem dos
remédios adotados. Frequentemente, as emendas são piores que o soneto!
VII – O Estado no
Brasil
A tendência para a criação do Estado, como o
conhecemos hoje, formou-se a partir da Grande Depressão dos anos 30. Getúlio
Vargas, um governante de viés centralizador e autoritário, aproveitou-se do
clima reinante em todo o mundo para dar partida ao nosso processo de
estatização.
Ao
suicidar-se, em 1954, deixou-nos, como legados, entre outros, uma legislação
trabalhista inspirada na Carta
del Lavoro de
Mussolini, o BNDES, o Banco do Nordeste, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a
Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM). Mas a
carga tributária, em seus tempos, apenas rondava os 15% do PIB.
Desde
então só fizemos expandir a participação direta do Estado na nossa economia,
embora seja correto notar que, nos tempos de Geisel, havia mais intervenção
estatal indireta e era maior que o de hoje o peso relativo das empresas
estatais.
Em
seguida ao governo Geisel, o Estado foi reduzindo seu papel de planejador e de
empresário, mas, em compensação, os orçamentos públicos, que ocupavam cerca de
25% do PIB em meados dos anos 70, foram crescendo para acomodar uma infinidade
de programas. Papel relevante teve, neste aspecto, a nova Constituição de 1988,
que estendeu em muito os chamados “direitos sociais”, concentrando obrigações no
governo central.
Como
consequência desta evolução, as despesas públicas se aproximam, em nossos dias,
da marca de 40% do PIB e não é exagero afirmar que nossos governantes já
comandam mais da metade do PIB, se também considerados os orçamentos das
empresas estatais e de suas fundações previdenciárias. Outra estimativa
importante foi calculada recentemente pelo IBPT (Instituto Brasileiro para o
Planejamento Tributário) para o que chamam de carga tributária potencial.
Segundo o Instituto, caso não houvesse sonegação, inadimplência e economia
informal, a nossa carga tributária atingiria a fabulosa percentagem de 59% do
PIB. Ou seja, cidadãos, que agem em perfeito respeito às leis do país,
entregam, em média, quase 60% de sua renda para o Estado.
Em
termos de estrutura burocrática, o Conselheiro Cid Heráclito tem chamado nossa
atenção para a existência de 39 ministérios e 128 autarquias federais, fontes
inesgotáveis de leis, decretos, resoluções, portarias etc. a atormentar a vida
de cidadãos e empresas. Mudando o foco para os beneficiários da ação estatal,
estima-se que mais de 15 milhões de famílias estejam recebendo recursos do
Bolsa-Família e outros programas sociais. Se cada família tiver 3 eleitores,
estamos falando de mais de 25% do eleitorado atingido pelos programas.
Por
outro lado, segundo o IBGE, os funcionários públicos (federais, estaduais e
municipais) ativos já são mais de 10 milhões e não param de crescer.
Destaque-se que, só de cargos comissionados, o governo federal tem a seu dispor
cerca de 23 mil vagas de livre provimento.
Cabe
finalmente notar que a União já paga benefícios assistenciais e previdenciários
a cerca de 50 milhões de pessoas e que o “Bolsa-Empresário”, turbinado por
subsídios concedidos pelos bancos oficiais, principalmente pelo BNDES, já é bem
maior que o Bolsa-Família.
Com
este quadro geral descrito, temos configurado um enorme risco de natureza
econômica e ideológica para o país. É tanta gente empregada pelo Governo, ou
com interesses em um Governo forte, que poderemos ter um Estado expansionista
para sempre, diante da vontade, traduzida em votos, de uma majoritária e
crescente parcela da população.
Outro
risco presente é o da baixa alternância de Partidos no Poder. Se uma facção
política despudorada está no governo e não tem escrúpulos em aparelhar os
órgãos públicos e de usar a força do Estado para a obtenção de apoios do
eleitorado, da classe política e de parcela do empresariado, cresce muito a
perspectiva de que se possa perpetuar no poder. Ficamos aqui inteiramente
dependentes de casos fortuitos, como o “petrolão”, ou de fortes crises
econômicas, para que a alternância de poder vire hipótese palpável.
VIII – Considerações
Finais
Como vimos, após os eventos magnos que marcaram
a primeira metade do século XX, alterou-se significativamente a conformação do
Estado Nacional, tanto em tamanho como em atribuições que lhe foram delegadas.
As guerras mundiais suscitaram a presença maior do Estado para organizar o
próprio esforço de guerra bem como para gerenciar o posterior período de
reconstrução. E a depressão dos anos 30 induziu a criação de redes de proteção
social (entidades previdenciárias, seguro desemprego etc.) assim como políticas
governamentais anticíclicas.
Outra
tendência delineada foi a de relativização do conceito de soberania nacional a
partir da criação de diversas organizações internacionais para a cooperação
entre Estados membros ou para a formação de verdadeiros Estados supranacionais.
Liga das Nações, ONU, OTAN, OEA, União Européia, Mercosul, Banco Mundial, FMI,
Banco Central Europeu, Corte Internacional de Justiça, etc. etc. são exemplos
destas organizações internacionais que disputam poder com os Estados nacionais.
Além
disso, o convencimento de que através do Estado poderiam ser eliminados ou
atenuados muitos dos problemas humanos propiciou o surgimento de uma infinidade
de programas estatais nas mais variadas áreas. Era o “welfare
state” se instalando e cobrando uma elevada carga tributária da
população.
Poucos
se dão conta de que a intervenção estatal pode estar criando mais problemas que
os que pretende resolver e que programas devem ser julgados por seus resultados
e não por suas intenções. Poucos também têm a consciência de que o Estado - na
verdade seus governantes - não deve ter vontade própria, nem deve se situar
acima da Nação. E que é apenas um meio de instrumentar a vontade dos cidadãos
quando esta vontade não pode ser adequadamente atendida pelo sistema de mercado.
Parece
assentado que a democracia, que tomou conta do nosso mundo ocidental, é o
melhor (ou menos pior) dos regimes políticos. Mas é fato que ela não consegue
impedir um perigoso viés expansionista estatal. De um lado há a crença popular
de que governantes são pessoas especiais, mais capazes e bem-intencionados que
o cidadão comum para resolver problemas. De outro, há a captura do Estado por
grupos de interesse que se organizam em prol do benefício próprio. Para os
programas estatais há defensores ardorosos, enquanto que, para quem paga a
conta de forma difusa, só resta a sensação de que recebe em benefícios muito
menos que paga em impostos.
A
sociedade que cobra direitos e demanda benefícios crescentes é a mesma que, a
partir de um certo ponto, se recusa a pagar mais impostos. A conta da
democracia, principalmente em países de baixa educação política, simplesmente
não fecha!
Contra
esta tendência de inchaço e desequilíbrio nas contas do Estado, só a punição
dos mercados parece funcionar. Quando as urnas abusam, as crises econômicas
surgem e colocam freios no Estado. Mas é duro depender tanto assim de grandes
crises, pois não?
John Kennedy em momento de rara felicidade ensinou que “a fórmula do sucesso não existe, mas a do fracasso é tentar agradar a
todos”.
Ronald Reagan foi um passo além e declarou que “o Estado não é a solução, é o problema”.
Já Margareth Thatcher nos lembrava que “o problema com o socialismo é que um dia o dinheiro dos outros acaba”.O
Estado basicamente distribui recursos de um lado para outro, guardando para si
uma gorda fatia. Com sua expansão desmesurada, cada vez temos mais gente
dedicada à administração e à geração de privilégios e menos gente voltada à
produção.
Neste
momento histórico em que governantes teimam em desrespeitar as leis maiores da
escassez, melhor darmos especial atenção às advertências dos ex-chefes de Estado,
colocando rédeas, com urgência, no monstro Leviatã.
* Rubem de
Freitas Novaes é economista (UFRJ), com doutorado na Universidade de Chicago.
** Palestra realizada em 09 de junho/2015 perante o Conselho
Técnico da CNC
- Bibliografia Essencial:
Bobbio, Norberto. “Estado, Governo, Sociedade”.
Friedman, Milton.
“Capitalism and Freedom”.
Hobbes, Thomas.
“Leviathan”.
Leme, Og Francisco. “Entre os Cupins e os Homens”.
Locke, John. “The Second
Treatise on Government”.
Maquiavel, Nicolau. “O Príncipe”.
Nozick, Robert. “Anarchy, State and
Utopia”.
Raws, John. “A Theory of
Justice”.
Rousseau, Jean Jacques. “O Contrato Social”.