“A questão social perdura. Ela é terrível, mas é simples: é a questão dos que têm e dos que não têm”. (Victor Hugo)
Noções Preliminares
- A Questão Social está intrinsecamente ligada a sociabilidade capitalista. Sua emergência é demarcada pelos estudiosos como sendo gestada no século XIX, portanto, no período de ascenção da burguesia e consolidação do modo de produção capitalista;
- A gênese da Questão Social na sociedade burguesa deriva do caráter coletivo da produção contrastando com a apropriação privada da própria atividade humana;
Vale citar Iamamoto
- Conforme esta autora, a questão social deve ser apreendida como “o conjunto das expressões da desigualdade da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: A produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.”
- Localiza-se aí a base do processo de alienação, onde o produto, que é resultado da atividade humana, aparece como algo estranho a quem o produz, fato que impossibilita a emancipação humana enquanto perdurar a ordem burguesa
- Em uma perspectiva positivista a questão social é dissociada da base econômica da sociedade sendo vista como “fato social”, como algo natural e a-histórico.
RESULTADO: Se o “problema social” (questão social) não tem fundamento estrutural, sua solução não teria que passar por uma mudança radical do sistema;
- No MPC (Modo de Produção Capitalista) a pobreza, enquanto expressão da questão social difere de outras formas de produção por está diretamente associada a relação entre capital e trabalho, tendo sua gênese nas relações de produção capitalista.
- A Questão Social expressa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais;
- Os sujeitos que vivem os impactos das expressões da Questão Social não as vivenciam passivamente, a elas resistem através das suas lutas políticas e culturais na disputa por projetos societários. É nessa tensão entre capital e trabalho que situa o Serviço Social. Reside nessa tensão também um dos fatores responsáveis para que a Questão Social fosse vista e tratada como caso de política no âmbito do capitalismo monopolista.
Conceituando QUESTÃO SOCIAL
“Expressão de desigualdades econômicas, políticas e culturais originária da relação antagônica entre capital e trabalho que tem uma raiz comum: produção social e apropriação privada”. (IAMAMOTO).
Ainda conforme Iamamoto
“A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades das relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais (...)”
“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado.”
Vale lembrar que...
- Os processos envolvendo a questão social é denso de conformismos e rebeldia, expressando a consciência e luta pelo reconhecimento dos direitos de cada um e de todos os indivíduos sociais;
- Foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública.
- As múltiplas expressões da questão social tornam-se um problema a ser enfrentado pelas classes dominantes quando a classe trabalhadora organiza-se em torno de sujeitos coletivos que dão voz, expressão e ação aos interesses proletários.
DESAFIO
- Apreender a questão social é também captar as múltiplas formas de pressão social, de invenção e de re-invenção da vida construídas no cotidiano.
Para se entender os fundamentos da Questão Social..
- A miséria cresce na mesma medida em que cresce o processo de acumulação do capital;
- Exploração da força de trabalho na perspectiva de criação de mais-valia;
- Alienação;
- Desigualdades entre classes;
- Luta de classes;
- Contradição capital x trabalho;
A Questão Social no Brasil
- No Brasil a Questão Social pode ser didaticamente dividida em três momentos:
I. Antes da década de 30: com a emergência do operariado no cenário nacional e seus levantes a Questão Social é tratada pelo Estado como caso de polícia e pela igreja católica como problema de ordem individual e moral.
II. Pós década de 30: Determinada pela mudança no modelo de produção que deixa de ser agrário-exportador para ser urbano-industrial, a Questão Social passa a ser tratada como um caso de política social. Além disso, o padrão de produção no cenário internacional era de ordem fordista exigindo-se a presença do Estado no atendimento a reivindicações da classe trabalhadora;
III. Década de 90 aos dias atuais: NEOLIBERALISMO. O Brasil assina o consenso de Washington e são baixadas medidas que corroboraram para a minimização do Estado e ampliação do mercado. Diante disso a Questão Social passa a ser tratada como problema a ser enfrentado pela sociedade civil através da solidariedade das organizações sociais a exemplo das ONGs.
IV. Particularidades da Questão Social no Brasil:
Flexibilização/precariedade do trabalho e Passivização das lutas sociais oriunda dentre outras coisas da restrita democracia presente na formação social brasileira, assim como do legado do escravismo.
A Questão Social no Contexto do Neoliberalismo
Para caracterizar o neoliberalismo
- Externalização das respostas à questão social, sendo esta transferida para o âmbito imediato e individual;
- Uma vez que as políticas sociais universais, não-contratualistas e constitutivas de diretos são acusadas pelos neoliberais de propiciarem o esvaziamento do fundo público, estas saem gradativamente da responsabilidade do Estado.
- O neoliberalismo visa à reconstituição do mercado, reduzindo ou até eliminando a intervenção social do Estado em diversas áreas e atividades.
- A desregulamentação e a flexibilização das relações trabalhistas e a reestruturação produtiva vão na mão da reforma do Estado, particularmente na sua desresponsabilização na resposta às sequelas da questão social.
Conforme Laurell
“A crítica neoliberal ao Estado de Bem-Estar é centrada em oposição àqueles elementos da política social que implicam desmercantilização, solidariedade social e coletivismo, além do caráter universal e de direito das políticas sociais típicas do regime fordista/keynesiano.”
- As políticas sociais são retiradas paulatinamente da órbita do Estado, sendo privatizadas: Transferidas para o mercado ou alocadas na sociedade civil.
- A privatização de políticas sociais só interessa na medida em que possam ser convertidas em processo econômico rentável; aquelas atividades e serviços sociais ou funções assistenciais que não representem lucro interessante para a iniciativa privada, serão mantidos no Estado, transferidos para o terceiro setor ou eliminadas.
- Políticas sociais focalizadas, dirigidas exclusivamente aos setores portadores de carecimentos pontuais, com necessidades básicas insatisfeitas.
- Descentralização administrativa das políticas sociais, o que implica apenas uma desconcentração financeira e executiva, mantendo uma centralização normativa e política.
Conforme Pereira
- Produz-se uma passagem de uma visão não-contratualista e incondicional de proteção social, própria do pós-guerra, para a atual visão contratualista – com abandono do compromisso pelo pleno emprego, diminuição relativa dos gastos públicos, transformação dos serviços sociais universais em atenção pública seletiva e focalizada aos carentes, privilegiamento da lógica do contrato e do seguro, retração da participação do Estado, ênfase na responsabilização individual.
- “Satanização” do Estado e consagração da sociedade civil como esfera eficiente;
- Bem-estar social pertencente ao âmbito privado, sendo sua fonte natural a Família, Comunidade e os Serviços privados;
Relação entre Questão Social, Política Social e Serviço Social
Segundo Iamamoto
“A matéria-prima do trabalho do assistente social (ou da equipe interprofissional em que se insere) encontra-se no âmbito da questão social em suas múltiplas manifestações (...) Tal como vivenciadas pelos indivíduos sociais em suas relações sociais quotidianas, as quais respondem com ações, pensamentos e sentimentos”.
- A questão social por si só não funda o Serviço Social, esta profissão só se institucionaliza enquanto tal quando a Questão Social passa a ser reconhecida pelo Estado monopolista como problema a ser gerenciado via políticas sociais. Dito de outro modo: é quando o Estado se amplia nos termos de Gramsci, via promoção de serviços sociais que o Serviço Social passa a ser inserido na divisão social do trabalho.
De acordo com Iamamoto
“É na tensão entre re-produção da desigualdade e produção da rebeldia e resistência que atuam os assistentes sociais, situados em um terreno movido por interesses sociais distintos e antagônicos, os quais não são passíveis de eliminar, ou deles fugir, porque tecem a vida em sociedade. (...).
- Decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social por duas razões:
- Para apreender as várias expressões que as
desigualdades sociais assumem na atualidade;
- Projetar e forjar formas de resistência e de defesa
da vida.
Questão Social X Política Social
- Atenção para o esquema: questão social (sociedade civil) – política social (Estado) – serviço social.
TRADUZINDO: A Questão Social explica as políticas sociais, já que estas são respostas do capital àquela, e as políticas sociais requisitam do Estado à presença de uma força de trabalho especializada para trabalhar com as expressões da Questão Social.
- A Questão Social não é objeto exclusivo de intervenção do assistente social, ao seu lado outros profissionais também intervém na mesma, haja vista as suas diversas manifestações extrapolando o campo privativo do Serviço Social;
________________________________
SUGESTÕES BIBLIOGRAFICAS
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. (Ler a 1ª parte do 1º capítulo).
_________. Serviço Social em Tempo de capital fetiche. Capital financeiro, trabalho e questão social. (Ler da página 155 a 171)
MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social. Crítica ao padrão emergente de intervenção social. (Ler da página 186 a 200)
Fonte: welber.gontran.com.br
