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sexta-feira, 26 de maio de 2017

Vila do Sossego, de Zé Ramalho

Por Thamirys Pereira Soares da Silva



Pesquisar, pensar muito é o que fazemos ao ouvir as músicas de Zé Ramalho.

Na música Vila do Sossego, Zé Ramalho fala do casamento e da traição. Mas afinal, o que é trair? E, principalmente, por que trair?

Enfim, comecemos pelo início, pelos primeiros versos da primeira estrofe.

Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam
em seus papiros, Papillon já me dizia
que, nas torturas, toda carne se trai;
que, normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente,
o nervo se contrai... com precisão.

Fica mais fácil entender esses versos se soubermos quem foi Papillon, um homem que era muito mais do que um prisioneiro francês cumprindo pena na Guiana Francesa há algumas décadas atrás.

Injustamente acusado pelo assassinato de um gigolô, Papillon tinha pena de prisão perpétua a ser cumprida na Guiana Francesa, à época colônia da França. No pátio do presídio, logo foi prontamente avisado de que qualquer tentativa de fuga seria punida com o prazo de dois anos em solitária e, caso houvesse reincidência, esse prazo subiria para cinco anos.

Entretanto, Papillon não tinha nada a perder. Com a ajuda de seu aliado Louis Dega, realizou sua primeira tentativa de fuga. Foi pego e mandado para a solitária, onde acabaria morrendo antes que se findassem os dois anos. Mas Dega, que a essa altura já o estimava muito, conseguiu infiltrar cocos na água que lhe era dada todos os dias pelos guardas, ajudando-o a ter forças para sobreviver.

Papillon, porém, foi descoberto outra vez. Lhe deram duas opções: dizer quem o tinha enviado os cocos ou passar seis meses de sua pena com a comida reduzida à metade e em total escuridão. Papillon ficou com a última. E isso explica estes primeiros versos.

Apesar de torturado pela fome, pela fraqueza, Papillon não traiu seu companheiro, mas ele, nesse tempo, pensou seriamente em fazê-lo. É natural, é normal do ser humano trair quando submetido a pressões e situações como essa, e ele já sabia disso.

Nos aviões que vomitavam pára-quedas,
nas casamatas, casas vivas, caso morras
e, nos delírios, meus grilos temer:
o casamento, o rompimento, o sacramente, o documento,
como um passatempo quero mais te ver... com aflição.

Mas a traição que Zé Ramalho comenta nessa música não diz respeito à lealdade, mas à fidelidade. A sua tortura não é física, mas mental, psicológica, sexual. É na pele de homem casado que deseja uma outra mulher que Zé nos fala.

Os aviões vomitando pára-quedas se referem ao esperma em uma ejaculação na hora da traição. Os pára-quedas seriam os seus espermatozóides, na tentativa de sobreviver (os seus genes) nas casamatas, "casas vivas" (a amante). "Caso morras", ou seja, caso ele morra, a propagação da sua linhagem está garantida.

A libido confronta-se com a razão. Poderia trair e acabar logo com isso. Mas tudo tem consequências. Para decidir-se, precisa equilibrar tudo em uma balança emocional: o casamento, o rompimento, o sacramento, o documento e o desejo de ver, de ter quem realmente quer.

Meu treponema não é pálido nem viscoso.
Os meus gametas se agrupam no meu som.
E as querubinas, meninas, rever.
Um compromisso submisso, rebuliço no cortiço,
chame o Padre Ciço para me benzer... com devoção.

Nos versos desta última estrofe o treponema cantado por Zé Ramalho faz referência ao treponema pallidum, o agente causador da sífilis. E citar a doença nesta estrofe é importante para a sua compreensão. A sífilis seria, para Zé Ramalho, um impedimento ao sexo. Mas o seu treponema, o que lhe atrapalha o sexo, não é a sífilis, visto que não é pálido nem viscoso. Podemos, então, subentender que tal impedimento, como já é cantado em todo o decorrer da música, é o casamento.

Podemos ter ainda mais certeza de que essa música fala do desejo incontrolável de um homem casado por uma mulher, que não a sua, quando Zé nos diz ter agrupado os seus gametas em seu som, sua música.


Sucede que o eu lírico acaba por trair, não só à sua mulher, mas também a si mesmo. É então que reconhece o seu pecado e anseia por perdão, não só vindo de sua companheira, como também o perdão divino.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Mais-valia

A acepção da mais-valia está associada à exploração da mão de obra assalariada, em que o capitalista recolhe o excedente da produção do trabalhador como lucro.

  

Capitalismo, trabalho assalariado e valor de troca
mais-valia é o termo utilizado por Karl Marx em alusão ao processo de exploração da mão de obra assalariada que é utilizada na produção de mercadorias. Trata-se de um processo de extorsão por meio da apropriação do trabalho excedente na produção de produtos com valor de troca. Para entendermos melhor, precisamos considerar que Marx via o trabalho como:

“(...) um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais.”*
Portanto, o trabalho era o ato definidor do homem, seu meio direto de interação com o mundo e, ainda mais importante, a forma como garantiria sua sobrevivência no mundo anterior ao período vivido por Marx, isto é, um mundo agrário onde o ser humano tinha ligação direta com a terra, de onde tirava seu sustento. Porém, isso se modificou na nova sociedade que surgiu no período que sucedeu a Revolução Industrial, que se baseou no sistema econômico do capitalismo.

Para Marx, o capitalismo baseia-se na relação entre trabalho assalariado e capital, mais especificamente na produção do capital por meio da expropriação do valor do trabalho do proletário pelos donos dos meios de produção. A esse fenômeno Marx deu o nome de mais-valia.

Todavia, antes de entendermos o conceito da mais-valia, é preciso entender que, assim como outros teóricos da economia, como Adam Smith e David Ricardo, Karl Marx sustentava a ideia de que o valor de troca de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho aplicado em sua produção. O próprio trabalho, de acordo com Marx, possui valor agregado, que é determinado pelo valor dos meios de subsistência (comida, habitação, transporte etc.) necessários para que o trabalhador sobreviva. Dessa forma, todo trabalho empregado na produção de um sapato, por exemplo, agrega custos em seu valor de troca final.

Nesse processo, a força de trabalho comprada pelo proprietário dos meios de produção por meio do salário pago ao trabalhador também se torna uma mercadoriaque é comprada para que o produto seja manufaturado. No curso da produção, o trabalho utilizado na produção agrega valor ao produto final, que é vendido pelo capitalista pelo valor de troca determinado pelo mercado.

Entretanto, não é suficiente para o capitalista que o valor de venda do produto seja igual ao valor que ele investiu inicialmente. O dono dos meios de produção deseja obter lucros, o que não pode fazer vendendo o produto mais caro do que seu preço de mercado. O trabalhador, por sua vez, espera receber pela quantidade de trabalho que empregou na produção da mercadoria em questão. É aqui que Marx verifica o fenômeno da mais-valia. O empregador, para que obtenha lucro em sua transação, exige uma quantidade maior de força de trabalho do que paga para o trabalhador, que se vê obrigado a trabalhar além do que lhe é pago, pois só receberá seu salário se cumprir com o que foi proposto.

Mais-valia absoluta e Mais-valia relativa
A partir do conceito de mais-valia, Marx fez distinção de duas formas de extorsão da força de trabalho: a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa.

Mais-Valia absoluta 

Mais-valia absoluta
Ocorre em função do aumento do ritmo de trabalho, da vigilância sobre o processo de produção ou mesmo da ameaça da perda do trabalho caso determinada meta não fosse alcançada, ainda que em detrimento da saúde e do bem-estar do trabalhador. O empregador exige maior empenho na produção sem oferecer nenhum tipo de compensação em troca e recolhe o aumento da produção de excedentes em forma de lucro.


Mais-valia relativa
Está ligada ao processo de avanço científico e do progresso tecnológico. Uma vez que não consegue mais aumentar a produção por meio da maior exigência de seus empregados, o capitalista lança mão de melhorias tecnológicas para acelerar o processo de produção e aumentar a quantidade de mercadoria produzida. Esse processo acontece sem que, no entanto, seja oferecida qualquer bonificação ao trabalhador. Este passa ser aos poucos substituído pelo maquinário tecnológico, de modo que a quantidade de trabalho social é diminuída e a mão de obra humana é trocada por uma mão de obra mecânica.


Entre o arcabouço teórico das obras marxistas, o conceito de mais-valia é central para a discussão sobre as relações de trabalho que surgiram nas sociedades capitalistas. As obras de Karl Marx, mais especificamente seu trabalho mais citado, “O capital”, foram enormes empreendimentos dedicados à compreensão das profundas relações existentes na nova configuração social que surgiu em seu tempo. Marx, assim como outros estudiosos de sua época, estava preocupado com os novos problemas sociais que se agravavam nos centros urbanos. Sua proximidade com os movimentos trabalhistas da época influenciou profundamente seus trabalhos e sua forma de abordagem dos fenômenos associados à nova configuração do sistema econômico que surgia.


*Referência: MARX, Karl. O capital, Volume I – Trad. J. Teixeira Martins e Vital Moreira, Centelha - Coimbra, 1974.


Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br