G1
Desde o começo do dia, com o Brasil em comoção pelo trágico acidente aéreo com a equipe da Chapecoense e, em seguida, a baderna no gramado diante do Congresso Nacional, foi traçado o roteiro para a votação do pacote das dez medidas de combate à corrupção, com mudanças significativas no texto proposto pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Líderes de partidos cochichavam em corredores, demonstrando que algo estava por vir. As mudanças vieram na madrugada - ao contrário do que haviam prometido antes, de que nada fariam "na calada da noite". Uma clara resposta aos passos da Operação Lava-Jato que agora chega ao mundo da política.
Ficou preservado apenas o artigo que trata da criminalização do caixa dois de campanha, tal como o presidente Michel Temer, ao lado dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia, prometeu à nação: sem anistia para os chamados crimes correlatos.
No primeiro instante, emendas para anistiar crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro estavam sendo preparadas para alterar o substitutivo de Lorenzoni. Mas foram deixadas de lado depois da entrevista de Temer no último domingo, que sentiu a pressão da sociedade pelas redes sociais. A hastag #anistiaaocaixadoisnão foi um dos assuntos mais comentados desde a última semana.
Alguns poucos parlamentares admitiam publicamente que diante da atenção dos brasileiros com as notícias sobre o acidente da Chapecoense, muitos parlamentares viram aberto o caminho para fazer mudanças no pacote de combate à corrupção. Em determinado momento, o quorum no plenário ficou tão baixo que parecia que a sessão não iria prosperar. Qual nada. A ausência temporária em plenário era estratégia dos articuladores das mudanças no texto. A principal delas, a tipificação do crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público. Uma clara retaliação aos comandantes da Operação Lava-Jato.
A Câmara preservou também o artigo que exige que os Tribunais de Justiça e o Ministério Público divulguem informações sobre o tempo de tramitação de processos e justifiquem a demora. Mas, ao mesmo tempo, aprovou o aumento do prazo para prescrição dos crimes. E, ainda, que o prazo de investigação passa a ser contado a partir do oferecimento da denúncia e não do seu recebimento. Esta uma mudança importante porque muitos políticos reclamam do tempo de investigação da Operação Lava-Jato, que agora chega ao universo político.
As dez medidas de combate à corrupção que viraram apenas quatro, foram aprovadas às vésperas da assinatura da delação premiada da Odebrecht, que cita algo em torno de 200 políticos que receberam recursos para suas campanhas.
Propostas para
reforçar combate à corrupção no país
Medidas sugeridas
incluem maior transparência e aumento de penas. Procurador que atua na Lava Jato disse que objetivo é diminuir impunidade.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou nesta sexta-feira
(20) uma série de propostas para reforçar o combate à corrupção no país. As dez
medidas sugeridas pelos procuradores da República tratam de mudanças
específicas em leis penais e processuais, que dependem de aprovação do Congresso Nacional.
“São anteprojetos de lei. Só serão
transformados em projeto de lei na medida em que algum parlamentar as acolher e
submeter a tramitação ao Legislativo. Serão apresentadas ao Congresso Nacional
por intermédio do procurador-geral da República”, afirmou.
Integrante da força-tarefa da
Operação Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol também
participou da apresentação. Ao defender o rigor das medidas propostas, ele
afirmou que o objetivo do Ministério Público é diminuir ao máximo a impunidade
e desestimular a prática de desvios.
“A corrupção hoje rouba a comida, o
remédio e a escola do brasileiro. Quem rouba milhões, mata milhões. Segundo a
ONU {Organização das Nações Unidas], são retirados anumalmente R$ 200 bilhões
dos cofres públicos brasileiros na corrupção. Com esse valor, é possível
duplicar o orçamento da saúde e da educação”, observou Dallagnol.
Propostas do MPF
Veja abaixo um
resumo das propostas apresentadas pelo Ministério Público:
1) Maior
transparência para Judiciário e MP
- Regras para prestação de contas
por parte de tribunais e procuradorias, além de investimento mínimo em
publicidade de combate à corrupção, com ações de conscientização e educação;
- Testes de integridade: um agente público disfarçado poderá oferecer propina
para uma autoridade suspeita; se ela aceitar, poderá ser punida na esfera
administrativa, penal e cível;
- Manter em segredo a identidade de um delator que colaborar com as
investigações, dando maior segurança ao informante.
2)
Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
- Posse de recursos sem origem comprovada e incompatível com a renda do
servidor se tornaria crime, com pena de 3 a 8 anos de prisão.
3) Crime
hediondo para corrupção de altos valores e aumento de penas
- Punição mínima por corrupção (recebimento de vantagem indevida em troca de
favor) passaria de 2 para 4 anos de prisão. Aumenta também o prazo de
prescrição (quando se perde o direito de punir), que passaria de 4 para 8 anos;
- Quanto maior o volume de dinheiro envolvido, maior a pena. Até R$ 80 mil,
pena varia de 4 a 12 anos. Se a propina passar de R$ 80 mil, pena será de 7 a
15 anos. Se for maior que R$ 800 mil, prisão será de 10 a 18 anos. Caso seja
superior a R$ 8 milhões, punição será de 12 a 25 anos de prisão.
4)Eficiência
dos recursos no processo penal
- Trânsito em julgado (declarar a
decisão definitiva) quando o recurso apresentado for protelatório ou for
caracterizado abusivo o direito de recorrer;
- Mudança nas regras para apresentação de contrarrazões em segunda instância,
revogação dos embargos infringentes, extinção da revisão do voto do relator no
julgamento da apelação, mudança na regra dos embargos de declaração, do recurso
extraordinário e dos habeas corpus em diversos dispositivos;
- Possibilidade de execução provisória da pena após o julgamento na instância
superior.
5) Celeridade
nas ações cíveis de improbidade administrativa
- Acaba com fase preliminar da ação de improbidade administrativa e prevê
agravo retido contra decisão que receber a ação.
- Criação de turmas, câmaras e varas especializadas no âmbito do Poder
Judiciário;
- Instituição do acordo de leniência para processos de improbidade
administrativa – atualmente existente apenas em processos penais, na forma de
delação premiada; e administrativos, na apuração dos próprios órgãos públicos;
6) Reforma do
sistema de prescrição penal
- Fim da
“prescrição retroativa”: pela qual o juiz aplica a sentença ao final, mas o
prazo é projetado para o passado a partir do recebimento da denúncia.
7) Ajustes nas
nulidades penais
- Restringir as
nulidades processuais a casos em que são necessários;
- Introduzir o balanço de custos e benefícios na anulação de um processo.
8)
Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2
- Responsabilidade objetiva dos partidos políticos pelo caixa 2. Com isso, o
partido poderá ser punido mesmo se não ficar provada culpa do dirigente
partidário, mas ficar comprovado que a legenda recebeu recursos não declarados
à Justiça Eleitoral;
- Quanto mais grave, maior a punição: além de multas maiores, o partido poderá
também ter o funcionamento suspenso se for reincidente ou mesmo ter o registro
cancelado.
9) Prisão
preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado
- Possibilidade de prisão preventiva (antes da condenação, por tempo
indeterminado), caso se comprove que o suspeito mantenha recursos fora do país.
10) Recuperação
do lucro derivado do crime
- Confisco
alargado: obriga o criminoso a devolver todo o dinheiro que possui em sua
conta, exceto recursos que comprovar terem origem lícita;
- Ação civil de extinção de domínio: possibilita recuperar bens de origem
ilícita, mesmo que não haja a responsabilização do autor do fato ilícito, em
caso de morte ou prescrição, por exemplo.
Veja as propostas retiradas pelos deputados
- Acordos de
leniência
Os deputados
rejeitaram a proposta que previa que os acordos de leniência (espécie de
delação premiada em que empresas reconhecem crimes em troca de redução de
punição) fossem celebrados pelo Ministério Público.
-
Enriquecimento ilícito de funcionários públicos
Outro trecho
retirado tornava crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e
previa o confisco dos bens relacionados ao crime.
- 'Reportante
do bem'
Um dos itens
mais caros ao relator que ficaram de fora previa a criação da figura do
"reportante do bem" para incentivar o cidadão a denunciar crimes de
corrupção em qualquer órgão, público ou não. Como estímulo, o texto dele previa
o pagamento de recompensa em dinheiro para quem fizesse isso.
- Prescrição de
penas
Também foram
derrubadas as mudanças para dificultar a ocorrência da prescrição de penas, que
é quando o processo não pode seguir adiante porque a Justiça não conseguiu
conclui-lo em tempo hábil.
- 'Confisco
alargado'
Com o objetivo
de recuperar o lucro do crime, o texto previa o chamado "confisco
alargado", em casos como o de crime organizado e corrupção para que o
criminoso não tivesse mais acesso ao produto do crime para que não continuasse
a delinquir e também para que não usufruísse do produto do crime. Esta
proposta, porém, foi rejeitada.
- Acordos entre
defesa e acusação
Outro ponto que
não passou foi o que permitia a realização de acordos entre defesa e acusação
no caso de crimes menos graves, com uma definição de pena a ser homologada pela
Justiça. O objetivo era tentar simplificar os processos.
-
Responsabilização de partidos
O plenário
rejeitou pontos do relatório que previam a responsabilização dos partidos
políticos e a suspensão do registro da legenda por crime grave.
Pontos aprovados pela câmara
- Responsabilização
dos partidos políticos e tipificação do caixa dois eleitoral
Os candidatos que receberem ou usarem doações que não tiverem sido declaradas à
Justiça eleitoral irão responder pelo crime de caixa dois, com pena de dois a
cinco anos de prisão. O texto prevê multas para os partidos políticos.
Se os recursos forem provenientes de
fontes vedadas pela legislação eleitoral ou partidária, a pena é aumentada de
um terço.
- Abuso de
responsabilidade a juízes e integrantes do Ministério Público
Entre as condutas que passariam a ser crime estariam a atuação dos magistrados
com motivação político-partidária e a apresentação pelo MP de ação de
improbidade administrativa contra agente público "de maneira
temerária". Nesse caso, além de prisão, os promotores também estariam
sujeitos a indenizar o denunciado por danos materiais e morais ou à imagem que
tiver provocado.
A pena prevista no texto aprovado é
de seis meses a dois anos de reclusão.
- Prevenção à
corrupção, transparência
Os tribunais
terão que divulgar informações sobre o tempo de tramitação de processos com o
propósito de agilizar os procedimentos.
- Aumento das
penas e inserção de tipos na Lei de Crimes Hediondos
Eleva a pena para diversos crimes, incluindo estelionato, corrupção passiva e
corrupção ativa. Esses delitos serão considerados hediondos quando a vantagem
ou prejuízo para a administração pública for igual ou superior a dez mil
salários mínimos vigentes à época do fato.
- Ações
populares
Reforça as
regras para a apresentação de ações populares, que já está prevista na
legislação brasileira. O texto especifica que, se a ação for julgada
procedente, o autor da ação terá direito a retribuição de 10% a 20% a ser paga
pelo réu.
'Sede de vingança'
Após a sessão,
o deputado Onyx Lorenzoni lamentou o resultado e disse que os parlamentares
agiram movidos "por sede de vingança" contra o Ministério Público e o
Judiciário. Para ele, houve uma "desconfiguração completa do
relatório".
"O parecer não era meu, era da
sociedade brasileira que tinha depositado as suas esperanças na Câmara dos
Deputados. Lamentavelmente, o que a gente viu aqui foi uma desconfiguração
completa do relatório, ficando de pé, objetivamente, apenas as medidas de
estatísticas e a criminalização do caixa 2", afirmou Lorenzoni.
"E trouxeram essa famigerada
situação de ameaça, de cala-boca, de agressão ao trabalho dos investigadores
brasileiros. Creio que a Câmara perdeu a chance de prestar um serviço ao
Brasil. E, movidos por uma sede de vingança contra o MP e contra o Judiciário,
acho que começaram uma crise institucional que deve se agravar nos próximos
meses", disse Lorenzoni.
No plenário, o
líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA), afirmou que a aprovação da
possibilidade de punição de promotores e juízes por abuso de autoridade
representará o "fim de privilégios". “A primeira medida deste pacote
deveria ser o fim dos privilégios e abusos de poder da categoria deles. Não
pode haver castas”, declarou Rocha.
Na saída do plenário, ao ser
questionado por jornalistas sobre a votação, o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), limitou-se a dizer que a votação foi o "resultado
democrático do plenário".
Abuso de
autoridade
Essa previsão havia sido incluída
pelo relator do texto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), mas retirada pelo
próprio relator posteriormente.
A emenda foi apresentada pela
bancada do PDT e lista as situações em que juízes e promotores poderão ser
processados, com pena de seis meses a dois anos de reclusão. A legislação atual
já prevê o crime de abuso de autoridade, mas é mais genérica.
Entre as condutas que passariam a
ser crime estariam a atuação dos magistrados com motivação político-partidária
e a apresentação pelo MP de ação de improbidade administrativa contra agente
público "de maneira temerária". Nesse caso, além de prisão, os
promotores também estariam sujeitos a indenizar o denunciado por danos
materiais e morais ou à imagem que tiver provocado.