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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Sancionada lei que dispensa documento autenticado em órgão público

Regra também acaba com exigência de certidão de nascimento e reconhecimento de firma.



O presidente Michel Temer sancionou projeto aprovado pelo Congresso que dispensa a apresentação de documento autenticado e firma reconhecida em órgão públicos.
O texto, publicado no Diário Oficial da União dia 09.10.18, também acaba com a exigência de apresentação de certidão de nascimento.
A lei traz procedimentos que deverão ser seguidos pelos órgãos públicos federais, estaduais e municipais.
O objetivo é suprimir ou simplificar formalidades e exigências feitas ao cidadão e consideradas desnecessárias ou que se sobrepõem. O texto aprovado pelo Congresso afirma que essas burocracias geram custo econômico e social superior ao eventual risco de fraude.
Ao sancionar o projeto, Temer vetou o artigo que estabelecia a vigência imediata da lei, a partir da publicação. Ele argumentou que a matéria tem grande repercussão e exige adaptação do poder público. Com isso, a norma entrará em vigor 22 de novembro de 2018.
Pela regra, órgãos públicos não poderão exigir que o cidadão reconheça firma para que algum serviço ou atendimento seja feito. Será de responsabilidade do agente administrativo do órgão comparar a assinatura com a que consta no documento de identidade da pessoa.
Também ficará dispensada a cobrança de cópias autenticadas de documentos. Nesses casos, bastará apresentar o original e cópia simples, que serão comparados pelo servidor responsável.
Quando não for possível fazer a comprovação de regularidade da documentação, o cidadão poderá firmar declaração escrita atestando a veracidade das informações. Em caso de declaração falsa, haverá sanções administrativas, civis e penais.

Nas situações em que era exigida a anexação de um documento pessoal, poderá ser juntada uma cópia autenticada naquele momento pelo próprio servidor do órgão.
A apresentação de certidão de nascimento poderá ser substituída por documento de identidade, título de eleitor, carteira de trabalho, identidade profissional emitida por conselhos regionais, certificado militar, passaporte ou identidade funcional de órgão público.
Em qualquer situação fora das eleições, será dispensada a apresentação de título de eleitor.
Também foi simplificado o procedimento de autorização para viagem de menores de idade. Se os pais estiverem presentes no embarque, não será solicitado o reconhecimento de firma para a liberação.


Fonte: https://www.jota.info

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Eleições, Bolsonaro e a banalidade do mal


Por: Lucas Eduardo Silveira de Souza




Nas atuais eleições presidenciais do Brasil, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é a que mais se associa às forças autoritárias e nacionalistas no rol de presidenciáveis prováveis a ganhar o pleito. O repertório do candidato é velho conhecido e vai desde o atentado simbólico contra mulheres, negros e homossexuais até discursos de nuances marcadamente fascistas, como o apoio a torturadores militares e a incitação pública da violência e do ódio.

Entender o que Bolsonaro representa é fácil; o difícil mesmo é compreender os que compactuam com suas ideias. Como o discurso autoritário vem a se tornar uma opção viável em eleições democráticas?

Refletir sobre o apoio popular de Bolsonaro exige superar os ânimos momentâneos e ir além da questão de um desvio de caráter pessoal. Ainda que aspectos morais possam participar dessa síntese que resulta no eleitor bolsonarista, eles sozinhos não são capazes de contar a história toda. De antemão, cabe reafirmar que o eleitor de Bolsonaro é tão comum quanto outro qualquer. Está em nossa família, no círculo de amizades, na turma do trabalho, na fila da padaria, no pequeno comerciante ou no grande empresário; acorda cedo, trabalha duro, paga suas contas, frequenta a igreja aos domingos, brada contra a corrupção política, vê-se indignado com o retorno ineficiente dos impostos; acredita ocupar-se do Brasil real, longe das tratativas ininteligíveis da trama política de Brasília. Considera-se um descrente da política que o conduziu até os dias atuais. É o típico cidadão comum. 
 
Filosoficamente falando, nenhuma intelectual compreendeu tão bem a cooptação do cidadão comum pelas dinâmicas do totalitarismo quanto Hannah Arendt (1906-1975). Mais que pensadora dedicada ao mundo das ideias, a filósofa alemã de origem judaica testemunhou o mal concreto do nazismo e fez do totalitarismo o objeto de sua investigação em diversas obras. A resolução de Arendt sobre a “banalidade do mal” se tornou a sua marca mais forte, sendo aqui também o guia dessa reflexão.

Arendt compreendeu a banalidade do mal após analisar o julgamento de Adolf Eichmann, responsável pela morte de milhares de judeus durante o regime nazista. No julgamento, chamou a atenção da filósofa o fato de o responsável por tamanha atrocidade ter sido um senhor comum de meia idade, pai de família e burocrata de carreira, cuja motivação maior era corresponder com aquilo que a administração esperava dele, sem traços de perversidade e razão maligna aparentes. 

Não se trata de admitir que o Brasil atual e a Alemanha totalitarista são a mesma coisa, o que a mim pareceria, de fato, forçar a mão da análise. O elo entre a sociedade totalitária descrita por Arendt e os nossos tempos não está na presença de campos de concentração ou na perseguição oficial a judeus, mas na degradação da empatia social e na naturalização da violência. A banalização do mal ganha nuances novas e se torna perceptível em praça pública quando discursos de ódio são aplaudidos inofensivamente por milhares de quaisquer uns.

Bolsonaro já afirmou publicamente que não entraria num avião pilotado por cotistas e nem se submeteria a um procedimento cirúrgico realizado por médico egresso de políticas afirmativas; sugeriu o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em rede aberta e rendeu homenagem a torturador durante voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso nacional; insultou negros quilombolas em evento político; tornou-se réu por apologia ao estupro de mulheres, além de uma série de insinuações que relacionam a homossexualidade a desvios comportamentais a serem combatidos.  Isso sem falar em seu parceiro de chapa, Hamilton Mourão (PRTB), que engrossa consideravelmente o caldo do autoritarismo, do preconceito e da misoginia.

Estes não são exemplos excepcionais, mas uma constante do bolsonarismo que passa incólume e sem estranheza ao crivo de seu eleitorado.  Se ideias que atentam contra a diversidade e a dignidade humana são tão irrazoáveis e extremadas em pleno século XXI, como o discurso de Bolsonaro soa trivial ao ouvido de seus apoiadores? Sob o pretexto de uma pretensa liberdade de expressão, estão aí propagados a castração de nordestinos, o linchamento de marginalizados, a apologia ao estupro, propagação da violência de gênero contra mulheres, a expulsão de cubanos, a violência contra homossexuais, entre outros. Hoje em dia o mal é banalizado à velocidade de um compartilhamento nas redes sociais.

Na sua famosa expressão, Arendt buscou demonstrar que a banalidade do mal carrega essa potencialidade mesma de florescer em sociedades cuja capacidade de refletir e estabelecer juízos sofre certo grau de deterioração. Segundo a filósofa, essa diluição da atividade de refletir e de estabelecer limites éticos entre o que é bom e o que é mal assume um efeito prático evidente no cotidiano de sujeitos medíocres. “Estará entre os atributos da atividade do pensar, em sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Ou será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal, como fruto do não-exercício do pensar?”. Afinal, até mesmo as atrocidades cometidas em nome do nazismo contaram com o respaldo popular à figura de seu líder supremo, e, no entanto, nem por isso parece ser plausível o argumento de que o povo alemão fora acometido de uma maldade eminentemente genuína.

A ascensão de Bolsonaro dá-se em momento de crise política e econômica, de retrocesso nos direitos sociais, piora geral na qualidade de vida, de polarização ideológica e de um profundo questionamento das instituições públicas. O cenário crítico dos últimos anos agiu favoravelmente para o ganho de forças de setores radicais que até então encontravam-se amortizados. Esse panorama não é restrito ao Brasil, mas fruto de uma tendência global em que persistem crise migratória, a desintegração europeia, o fortalecimento de lideranças iliberais e de movimentos nacionalistas mundo afora.

Sobre o fenômeno Bolsonaro, há duas ponderações a serem feitas, uma de forma e outra de conteúdo. A forma simplista com que trata pautas importantes de economia, educação, saúde e segurança é um elemento de proximidade entre o candidato e o seu eleitor. Bolsonaro encontra imediata repercussão naquela parcela da população que se identifica com formas simplificadoras e universalizantes para problemas complexos da atividade governamental. Por outro lado, o conteúdo autoritário de suas proposições no tocante às questões sociais encontra respaldo naquela parcela que se identifica no campo do ceticismo e da incredulidade diante das saídas pouco efetivas que a democracia tem imposto. A junção dos aspectos de forma e conteúdo faz com que Bolsonaro resulte em um personagem de expressa identificação. O elemento simplista e não convencional do candidato contrasta diretamente com a previsibilidade típica da tradicional classe política brasileira. Trata-se da versão tupiniquim do efeito Trump na sociedade estadunidense.

Por fim, é evidente que os lados contra e pró não estão levando a discussão sob as mesmas premissas. Enquanto, para um lado, o posicionamento extremado de Bolsonaro é justamente o fator que o descaracteriza como alternativa legítima ao mais alto posto do Executivo nacional, para o outro, é justamente nessa postura que reside a sua legitimidade para a presidência.

No primeiro grupo estão os que evidenciam em seu discurso autoritário os aspectos antidemocráticos e iliberais inadmissíveis à figura de um republicano.
No segundo grupo estão aqueles que realçam justamente os aspectos de força, coragem e espontaneidade como bem quistos à figura de um forte líder político. Em outras palavras, os fatos se tornam secundários quando o embate entra no campo das narrativas que se fazem deles.
Sob o ponto de vista eleitoral, a potencialidade do candidato é também a sua maior debilidade. As narrativas de resistência aumentam à medida que a campanha joga luz sobre essas contradições. A resistência organizada, principalmente pelas mulheres, em torno dos movimentos “ele não”, “ele nunca” e “mulheres contra o fascismo” tem um potencial importante a ser explorado contra o candidato. Pouco a pouco a crítica e a reflexão confrontam a irrazoabilidade da figura de Bolsonaro. Tudo leva a crer que este é um movimento sem volta e que só faz ganhar adeptos entre setores intelectuais, políticos, de movimentos sociais e da classe artística nacional.

Por fim, cabe ressaltar que Arendt não pretendeu abdicar Eichmann e os nazistas das responsabilidades cometidas em nome do fascismo. Tampouco deu a ele o aspecto monstruoso que pintavam. Demonstrou, contudo, como os homens e mulheres de bem em conjunturas históricas adversas são levados a apoiarem ideias equivocadas e extremadas. O mal é de certa forma tão corriqueiro que acaba por ser incorporado como algo extremamente trivial.

Para compreender o apoio massivo às posturas autoritárias assumidas por Bolsonaro e Mourão, e tantos outros que se identificam com eles, é preciso inevitavelmente questionar, enquanto sociedade, em que aspectos da esfera pública estamos falhando no sentido de tornar figuras autoritárias uma opção viável. Compreender, nas palavras da filósofa, é “encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a ela – qualquer que seja”. Celso Lafer adiciona que “restaurar, recuperar e resgatar o espaço público que permite, pela liberdade e pela comunicação, o agir conjunto” esteve na centralidade das preocupações filosóficas de Hannah Arendt. Pensamento este formulado há mais de meio século e tão pertinente nos dias atuais.

Lucas Eduardo Silveira de Souza é mestrando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Lema de Bolsonaro, também usado no Nazismo, vai contra nossa “Era dos Direitos”

Por Paulo Roberto Iotti Vecchiatti




Um dos grandes clássicos livros no estudo sobre direitos humanos é o de Norberto Bobbio, chamado “A Era dos Direitos”. Fruto de diversas conferências que o renomado autor fez ao longo de décadas, a tese central, que dá origem ao título, é uma mudança paradigmática na forma como o mundo lida com as relações entre governantes e governados. Passou-se de uma era dos deveres para uma era dos direitos, no sentido de que, antes, os códigos morais e jurídicos focalizavam-se exclusivamente nos deveres dos chamados “súditos” para com o chamado “soberano” (o “príncipe”), enquanto, a partir das Revoluções Liberais posteriores, inspiradas pelo Iluminismo, passou-se a considerar que os cidadãos teriam, primordialmente, direitos (“naturais”), anteriores ao Estado, que este deveria respeitar.

Passou-se de uma concepção orgânica de sociedade, na qual os indivíduos são vistos como meros integrantes de um todo orgânico superior (o Estado), donde não existiam “direitos individuais”, para uma concepção individualista de sociedade, pela qual o indivíduo antecede o Estado e tem direitos inalienáveis e imprescritíveis que deveriam ser, por este, respeitados.

A Revolução Francesa é o grande marco dessa virada paradigmática na História da humanidade (em termos ocidentais) A partir das lições de Kant, Bobbio aponta a Revolução Francesa foi um marco histórico que consagrou uma tendência moral da humanidade para a afirmação do direito de um povo a não ser impedido por outras forças de se dar a Constituição civil que creia ser boa, porque em harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares, que só deveriam obedecer leis que tivessem se reunido para elaborar[1]. Ou seja, de uma lógica de deveres de súditos para com um “soberano” (um rei absolutista), passou-se gradativamente a uma lógica de direitos de cidadãos em face do Estado, cujo “soberano” é não mais um rei, mas o próprio povo, embora por seus representantes legitimamente eleitos em eleições livres, para focar na lógica de democracia representativa da contemporaneidade.

Invoco a lição de Bobbio para o atual momento político brasileiro para denunciar o que vejo como graves indícios ou signos de perigosos tempos que parecem se avizinhar em nosso país. Obviamente, isso é uma interpretação a partir de determinados fatos (indícios) para, por ilação, apontar-se os riscos que se avizinham. Não se trata de certeza matemática, mas, voltando a Bobbio a partir de Kant, de uma história profética que pressagia o que pode vir a ocorrer (daí ser uma hipótese, não uma certeza incontestável), mas a partir de fatos que efetivamente ocorreram (daí ser uma hipótese que deve ser levada a sério).

Bobbio e Kant viram na Revolução Francesa um “evento extraordinário”, caracterizador de forte indício ou signo, de uma mudança na forma de encarar as relações entre governantes e governados, saindo de uma “era dos deveres” para uma “era dos direitos”. A hipótese aqui ventilada é que o lema de Bolsonaro, de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos” (sic), bem como certas declarações do candidato, de seu vice e de parte de seus eleitores tornam verossímil a iminência de tempos de autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos.

 Primeiro indício: lema consagrador de uma concepção organicista de sociedade. Pelo menos da forma como apresentado, sem ressalvas, o lema “Pátria acima de tudo” denota que o foco será na coletividade e não no indivíduo. O que fazer em caso de conflito entre direitos individuais e o “interesse nacional”, cláusula extremamente vaga usada, no passado, para justificar opressões e totalitarismos diversos? Significaria isso que o indivíduo será visto como mera “parte do todo social” e, por isso, sua individualidade só seria respeitada caso condizente com valores dominantes, como prega o comunitarismo?

O que dizer, então, do lema “Deus acima de todos”, que denota uma concepção teocrática de sociedade, absolutamente contrária à ideia de Estado Laico? Cabe lembrar que Estado Laico é aquele que é separado de Igrejas, permite a mais ampla liberdade de crenças e descrença e não permite que fundamentações religiosas determinem os rumos políticos e jurídicos do país. É o que consagra o art. 19, II, da Constituição Federal, que esse lema bolsonárico parece desprezar.

Lembre-se, ainda, que no passado, crenças teocráticas justificaram a perseguição daqueles(as) que não adotavam a religião oficial do Estado, como um singelo estudo histórico das guerras religiosas e da demanda pelo surgimento dos direitos fundamentais à liberdade de consciência e crença demonstra claramente. O famoso livro de Voltaire, “Tratado sobre a Tolerância”, muito citado (por seu título) mas pouco lido, foi escrito precisamente no contexto de guerras religiosas, denunciando “fanáticos” intolerantes que não tinham tolerância com quem tivesse visão religiosa distinta.

É verdade que o plano de governo de Bolsonaro fala em “Liberdade para as pessoas, individualmente, poderem fazer suas escolhas afetivas, políticas, econômicas ou espirituais” (p. 04). Oremos para que essa promessa seja cumprida, caso seja eleito, mas, como visto acima, isso é completamente antagônico com o lema geral da campanha que prega, que não é sequer explicado por seu plano de governo, a despeito de ser difundido como uma espécie de “princípio reitor” de sua candidatura…Inclusive porque o candidato já demonstrou não estar plenamente ciente de seu próprio plano de governo, já que, em rede social (Twitter), ironizou, como “inacreditável”, jornalista que disse que em seu programa de governo consta instituição de “renda mínima” para toda população brasileira, proposta esta que, efetivamente, consta de seu plano de governo (p. 63), tal como registrado no TSE[2]

Outra perplexidade, decorrente de contradição filosófica de ideias pregadas, decorre da chapa bolsonárica adotar como discurso liberalismo econômico. Ora, liberalismo é uma doutrina individualista por excelência, que é absolutamente incompatível com lemas organicistas e teocráticos como este de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos” (sic). O liberalismo prega que o Estado não deve intervir nas relações entre os indivíduos, exceto para garantia da segurança pública e do cumprimento dos contratos.

Consagra a lógica do “Estado Mínimo”, presumindo uma “necessária” relação hierárquica (vertical) entre Estado e cidadãos, e uma relação de igualdade (horizontal) de cidadãos entre si, razão pela qual presume que os contratos firmados pelos cidadãos seriam “acordos firmados por plena autonomia da vontade” que, como tais, deveriam valer, como se lei fossem (daí a máxima de que “o contrato faz lei entre as partes” – pacta sunt servanda).

Embora a História já tenha provado que as relações entre particulares não são necessariamente horizontais, pela pobreza de uns e riqueza de outros que gera explorações daqueles por estes (fato que gerou a criação do Direito do Trabalho, como protetivo de trabalhadores, e do próprio Direito do Consumidor),não há nada mais incompatível com a demonização que o eleitorado de Bolsonaro e o próprio candidato fazem (a partir de estereótipos) do “comunismo” do que esse lema organicista e teocrático de sociedade.

Segundo indício: declarações de Bolsonaro e de seu vice, general Mourão, e de parte de seus eleitores, senão vejamos. Bolsonaro:
1.  Declarou que “o erro da Ditadura foi torturar e não matar” (sic)[3], tendo antes disso se declarado favorável à tortura em entrevista (de 1999) em que também disse que fecharia o Congresso Nacional, por entender que ele “não funciona”, bem como que “não se vai mudar nada a partir do voto popular, mas infelizmente apenas partindo para uma guerra civil, e fazendo o trabalho que o regime [a Ditadura Militar] ainda não fez, matando uns trinta mil, começando pelo FHC” (sic), o então Presidente Fernando Henrique Cardoso[4];
2. Realizou homenagem ao coronel Brilhante Ustra, notório torturador da Ditadura Militar, em seu voto em favor do “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff, sendo que é notório que ela foi torturada por Ustra na Ditadura, algo que tanto ele sabia que afirmou que Ustra seria “o pavor de Dilma Rousseff”[5] (qualquer órgão legislativo minimamente sério teria cassado o mandato parlamentar de alguém que fez tamanha declaração de lesa-humanidade, ainda mais pela provocação feita a pessoa torturada por dito cidadão);
3. Pouco antes do absurdo atentado que sofreu, em 2018, proferiu a leviana e irresponsável fala sobre “fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre”[6] (embora seja certo que ele vá alegar que se tratou de mera “metáfora” ou algo do gênero, usada em sentido eleitoral, não consta ter feito nenhuma ressalva no momento, algo flagrantemente irresponsável, por imprudente, flagrantemente apto a gerar violência contra pessoas petistas, ainda mais no notoriamente tenso período de conflitos sociais que vivemos);
4. Falou que pretende criar um “campo de refugiados”, em Roraima, no contexto da crise migratória de pessoas vindas da Venezuela[7] (“campo de…” lembra o que mesmo?);
5.  Disse, mais de uma vez, que não aceitará qualquer outro resultado das eleições de 2018 que não a sua vitória[8], pelo fato de sentir apoio popular em todos os lugares que recebeu, insinuando fraude eleitoral em qualquer resultado contrário, nas suas ilações de pura teoria de conspiração, absolutamente desprovida de provas, sobre supostos “problemas” e “fraudes” nas urnas eletrônicas (ou seja, para ele, a eleição seria um mero rito formal de sua aclamação, algo manifestamente antidemocrático);
6. Referiu-se ao peso de pessoas quilombolas pelo objetificante termo “arroba”, dizendo que acha que determinado “afrodescendente” de lá “nem para procriador ele serve mais”[9](não obstante absolvido pelo STF em julgamento sobre o tema[10], por força de sua imunidade parlamentar e, absurdamente, pela cláusula da “liberdade de expressão”, por absurda negação da maioria apertada de 3×2 sobre um suposto caráter não-racista da declaração, é inconteste que as declarações foram de cunho racista, consoante minha análise e a de diversas pessoas, de sorte a ser absurda a afirmação do STF de que essas falas se configurariam como “liberdade de expressão”, que não permite discursos de ódio tais; sendo que, ainda que estivesse dando palestra expondo sua opinião política contrária à demarcação de terras quilombolas, um direito seu, Bolsonaro não tinha o direito de se utilizar de termos tão injuriosos às pessoas da comunidade quilombola em questão, consoante ofício que enviei, por entidades do Movimento LGBTI+, pouco antes do voto-desempate[11], de sorte a que essa lamentável decisão, reconheça ou não, acaba reformando o racismo no Brasil[12]);
7.  Já declarou que se visse um casal de homens se beijando na rua, os agrediria(“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”)[13], que um filho se torna gay por “falta de porrada”, além de que “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” e que “se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza”[14], já tendo explicitamente se declarado, em 2013,“homofóbico com muito orgulho” em vídeo[15] (embora, atualmente, isto absurdamente negue);
8. foi elogiado por ex-integrante da KuKluxKlan, entidade neonazista de extrema-direita dos EUA, que disse que “ele [Bolsonaro] soa como nós”[16] – sinal mais claro do que esse dificilmente haverá (sendo um escárnio desafiador da inteligência chamar a KuKluxKlan e o próprio nazismo de movimentos de “esquerda” – permitindo-me a ironia, “recomendo” que quem acredite nisso que diga pessoalmente a neonazista de dentro e fora da KKK de “esquerdistas” para ver o que lhes acontece);
9.  o lema “Pátria acima de tudo” (na verdade, “Alemanha acima de tudo”) foi utilizado no nazismo[17], algo que, ao que me consta, não foi sequer problematizado por Bolsonaro, que deveria, no mínimo, ter se esforçado para diferenciar seu lema do nazista (e chamar o nazismo de movimento de “esquerda” pelo nome “nacional socialismo”, em ignorância histórica completa sobre os diferentes significados deste e do marxismo, é tão absurdo como considerar a Coreia do Norte uma democracia genuína por se chamar “República Popular Democrática da Coreia”…). Esclareça-se, ainda, que, embora o termo “Alemanha acima de tudo” faça parte do hino alemão,“Durante o período nazista, a segunda e a terceira estrofes [do hino] foram suprimidas e apenas a primeira era cantada, o que criou a associação entre a expressão “Deutschlandüberalles” [Alemanha acima de tudo] e o nazismo”[18].

Uma associação que, aliás, foi noticiado que o Plenário do TSE autorizou[19]. Trata-se de algo que, no mínimo por boa-fé objetiva (padrão de conduta imponível à pessoa mediana), Bolsonaro e seu staff têm obrigação de saber e, assim, tinham a obrigação de explicar, precisamente para afastar o temor que instintivamente surge a quem sabe da utilização desse lema pelo nazismo, algo que evidentemente seria levantado em uma campanha eleitoral – na verdade, deveria não usar um tal lema precisamente por isso, mas, já que o usou, pelo menos, deveria explicar a diferença de seu lema com aquele usado no nazismo, algo que não me consta tenha sido feito…
Por sua vez, seu vice, general Mourão, afirmou, em plena campanha eleitoral de 2018:
1. falou de “possibilidade” de um “autogolpe” militar[20], por parte do Presidente da República, no contexto de que o Presidente, como Chefe das Forças Armadas, poderia convocar os militares para auxiliá-lo, caso o país atingisse determinado grau de “anomia”, de “anarquia generalizada”[21], mas, convenientemente, não explicando que tipo de situação hipotética poderia isto gerar, quando confrontado por jornalistas da evidente inconstitucionalidade dessa questão;
2. aventou a ideia de “Constituição Sem Constituinte”[22], no sentido de que uma Constituição “não precisaria” ser elaborada por representantes do povo, mas por uma mera “comissão de notáveis”, a ser posteriormente objeto de referendo popular[23] (algo que ignora a obviedade de que a discussão apenas do todo e não de artigo por artigo evidentemente não é uma forma democrática de se tratar da questão);
3.  criticou a ideia do 13º salário, como uma invenção (“jabuticaba”) brasileira (embora, depois, tenha recuado minimamente, mas continuando a criticá-lo)[24], lembrando que, ao falar em “Constituição sem Constituinte” (supra), defendeu que uma Constituição não deveria ser analítica como a brasileira, mas apenas ter “princípios gerais”, como a estadunidense – o que deixa claro que não deseja que uma Constituição contenha direitos sociais, que não estão na Constituição Federal dos EUA…
4. falou de “branqueamento da raça”[25] ao se referir à beleza de seu neto (intencional ou não, foi fala de extremo teor racista, como é evidente, que denota a inferioridade das pessoas negras, pois, do contrário, não seria logicamente possível ele falar em “branqueamento de raça” como “fundamento” para a beleza de seu neto…) – lembre-se, ainda, sua fala também racista (fosse ou não sua intenção), que ligou a “indolência” brasileira aos índios e a “malandragem” aos africanos, logo, aos negros (“Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. E eu sou indígena, meu pai era amazonense. E a malandragem é oriunda do africano. Então esse é o nosso cadinho cultural”– e o fato de se declarar descendente de índios não muda o caráter racista da declaração, no mínimo pelo fenômeno dopreconceito internalizado, a pessoa que acredita no preconceito social contra si ou, no caso, sua origem)[26];
5.  disse que famílias compostas só por “mãe e avó”seriam fábricas de “desajustados”[27] (deixando claro o machismo patriarcal que assola suas ideologias pessoas – esteja ou não consciente disso).

Sobre parte do eleitorado de Bolsonaro, temos tido absurdas manifestações de deplorável intolerância social que se sentem “legitimadas” pela candidatura de Bolsonaro, a saber:
1. o nefasto grito “oh bicharada, toma cuidado, Bolsonaro vai matar viado”(sic), em canto entoado por parte da torcida do Palmeiras[28], mas que foi cantado pela primeira vez por parte da torcida do Atlético Mineiro (que falou em “cruzeirenses” ao invés de bicharada – gerando punição, embora pífia, do clube, pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva[29]), e, depois, em metrô de SP[30] (aqui, sim, com o termo “bicharada”) e em Goiás (com o termo “panetone”, em referência à torcida do Vila Nova)[31];
2. um jogo foi criado no qual o personagem de Bolsonaro precisa matar integrantes de minorias, como LGBTs, feministas, negros e militantes de esquerda[32];
3. uma travesti foi assassinada aos gritos de “Bolsonaro”[33], o que deixa claríssimo o caráter político de tal crime, que claramente entende que a transfobia seria “legitimada” pela eleição de Bolsonaro;
4. capoeirista negro foi assassinado em discussão com eleitores de Bolsonaro, após declarar voto no PT (“O autor confesso do crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, disse à polícia que o assassinato teve motivação política. De acordo com a declaração que deu às autoridades, Santana, que votou e defendeu o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), discutia com o dono do local, que votou em Fernando Haddad(PT), quando Moa uniu-se à conversa para também defender o petista. O assassino, então, foi à casa, pegou uma peixeira e voltou ao bar para atacar o capoeirista. A delegada Milena Calmon, responsável pelo caso, descreveu Santana ao EL PAÍS como um homem ‘intolerante e agressivo’”[34].Grifos nossos);
5. relatos de agressões por vítimas de eleitores de Bolsonaro aumentaram nas redes sociais após o resultado do primeiro turno de 2018[35], já tendo sido constatado pela mídia o aumento da violência após o fim do primeiro turno por parte de eleitores de Bolsonaro (“Um mapeamento feito pelo pesquisador e jornalista, Haroldo Ceravolo, mostra mais de 50 casos de violência cometidos desde o início de outubro por defensores do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). O número aumenta a cada dia”)[36],o que Bolsonaro disse “lamentar”, mas que não seria capaz de controlar (“Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam”)[37]– algo curioso para alguém que se diz apto a acabar com a criminalidade no país, além de ter sido uma fala muito sutil para um problema tão grave; não tenho notícia de sua propaganda eleitoral ou algo do gênero conclamar seus eleitores a não fazê-lo…

Creio que esses exemplos sejam o bastante para explicar meu ponto. Estamos vivendo uma fase, no Brasil, em que pessoas intolerantes se sentem “legitimadas” pela candidatura de Jair Bolsonaro e que, por isso, obtiveram coragem para externar sua intolerância, mediante ofensas e mesmo agressões ou assassinatos. Da mesma forma que a eleição de Donald Trump fez com que simpatizantes e integrantes da nefasta KuKluxKlan se sentissem “legitimados” nos EUA (ex-líder, o mesmo que disse que Bolsonaro se assemelha a tal organização, disse que Trump “empoderou” pessoas de sua ideologia)[38], a lamentável força da candidatura de Bolsonaro tem feito com que intolerantes brasileiros se sintam “legitimados” por isso. mínimo que se espera e se pode exigir do citado candidato é que conclame seus eleitores a não fazê-lo – e de forma enfática e constante, e não meramente tímida e pontual como fez na entrevista supra citada.

Retomemos o tema do título deste artigo: desde pelo menos o marco Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tivemos uma mudança da “era dos deveres” para uma “era dos direitos” – o que não significa “direitos sem deveres”, mas reconhecimento de direitos individuais contra totalitarismos estatais, pois, obviamente, ninguém é contra que, além de direitos, haja deveres de solidariedade social em prol do bem-comum, a ideia do “Estado de Bem-Estar Social”, que consagra uma noção de “capitalismo controlado”, com intervenção do Estado no domínio econômico para evitar a opressão de particulares por outros particulares, tenta chegar a um meio-termo entre capitalismo e socialismo nas suas versões mais puras, pela lógica do “reformismo” socialdemocrata em contraposição à revolução socialista.

O individualista extremado também é problemático, o indivíduo realmente vive em sociedade e deve ter a si reconhecidos deveres de solidariedade social na busca do bem-comum, masconciliando-se isso com o respeito a individualidades, sem totalitarismos morais, religiosos ou em favor da “pátria” quaisquer. Daí a lógica do Estado de Bem-Estar Social, que consagra o capitalismo como sistema econômico, mas não permite que particulares explorem/oprimam outros particulares. A redação dos arts. 3º e 170 da Constituição Federal é emblemática nesse sentido.

Continuando, referida mudança paradigmática da Revolução Francesa teve sua consagração pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e diversas outras declarações de direitos que lhe sucederam, com a internacionalização dos direitos humanos e a ideia de que o indivíduo é sujeito de direitos não só como cidadão de um Estado isolado, mas um sujeito de direitos do sistema internacional, que deve protege-lo, atualmente por intermédio dos tribunais internacionais de Direitos Humanos (como a Corte Interamericana, a Corte Europeia e o Tribunal Penal Internacional, este visando punir crimes contra a humanidade).

Ademais, o lema bolsonárico de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos”, denota uma concepção orgânica de sociedade, que coloca o todo social acima do indivíduo (este como uma mera peça/engrenagem do sistema social e, por isso, a ele subordinado), e, ainda por cima, uma concepção teocrática absolutamente contrária à laicidade do Estado – laicidade esta que é pressuposto do pluralismo social e da própria liberdade religiosa, como a História bem demonstra.

Esse lema é absolutamente contrário ao próprio liberalismo, especialmente à sua versão extrema, do laissezfaire, que Bolsonaro e seu economista, Paulo Guedes, aparentemente pregam para a economia, embora aparentemente, pelo menos por força de tal lema, não para os costumes (a contraditória lógica de “liberal na economia, mas conservador nos costumes”, o que significa, na prática, “liberal na economia, mas não-liberal nos costumes”, ou melhor, uma ideologia a favor do “liberalismo econômico”, mas não do “liberalismo político”, ou ainda, a favor do “Estado Mínimo” na economia, mas do “Estado Intervencionista” nos costumes – em suma, uma clara contradição filosófica, de liberalismo apenas naquilo que convém…). Um lema, portanto, contraditório à demonização que essa chapa e seu eleitorado fazem do “comunismo”(sendo que é um escárnio dizer que os governos petistas teriam sido “comunistas”, já que foram neoliberais na macroeconomia, embora tenham tido importantes ações em favor da redistribuição de renda, como demanda um Estado de Bem-Estar Social).

Por fim, as manifestações de Bolsonaro, seu vice e de parte de seu eleitorado, supra descritas, acendem um sinal de grave alerta para a Democracia e os Direitos Humanos. Há uma cegueira deliberada para as consequências lógicas das falas bolsonáricas e de seu vice, relativizando-se tudo o que dizem, pela lógica de “não quiseram dizer isso”, ou “as instituições irão controla-los” etc. Por muito menos, teorias da conspiração afirmam com elevada “certeza” que o PT levaria o Brasil à situação caótica da Venezuela, mesmo não havendo absolutamente nada nos 13 anos de governos petistas que, longinquamente, denote isso.

Na verdade, como bem disse Conrado Hübner Mendes, o risco de “venezuelização do Brasil” vem da direita bolsonárica[39]razão pela qual termino o artigo com longa citação desse belo texto deste renomado Professor:

A plataforma política de Bolsonaro ignora absolutamente a conexão entre crescimento econômico de um lado e a qualidade do estado de direito de outro. Para ficar no exemplo mais grotesco, o candidato propõe, no país em que mais se mata com arma de fogo no mundo, a liberação geral das armas e uma polícia que atira para matar como solução de segurança pública.

Esse “voto racional” em Bolsonaro, ao que parece, obedece a padrões de racionalidade que filósofos, juristas, economistas e comentaristas internacionais desconhecem.
Contabilizemos as dezenas de alertas vindos da imprensa internacional que atravessa o espectro político da direita à esquerda: da Economist ao Zeit, do Le Figaro ao Corrieredella Serra, de Financial Times à, pasmem, Fox News, assustados com a recaída autoritária brasileira sob liderança, nas suas palavras, de um personagem “neofascista” e “faxineiro racista”. Tampouco carecemos de alertas vindos da imprensa brasileira.

Demétrio Magnoli, argumenta: “A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia”.

Roberto Pompeu de Toledo, avisa: “O outro lado é duro de engolir, mas estamos diante de uma questão civilizacional”.

Arnaldo Jabor grita: “Bolsonaro pode transformar o Brasil numa desgraça definitiva.” Samuel Pessoa pondera: “Bolsonaro é o mal maior.” Não são esquerdólatras nem lulófilos os que falam. O mercado parece se dar conta do perigo dessa aposta.

No relato de Vinícius Torres Freire sobre as últimas percepções de “gente graúda da finança”, recentes críticas de Bolsonaro ao capital estrangeiro e às privatizações voltam a evidenciar a “biruta ideológica, instável e temperamental”.

Na reportagem de Mauro Zafalon, o próprio agronegócio está apreensivo com a inexperiência do candidato e o despreparo de sua equipe, um “caminho certo para um potencial desastre no campo”.
[…]
Rumo à Venezuela, pela direita. David Runciman, autor de Como a democracia chega ao fim, conta que a política democrática é ávida por “fábulas com moral”, exemplos positivos ou negativos “do possível destino que nos aguarda”. As “fábulas edificantes” recomendam o caminho a ser seguido. As “fábulas de advertência”, aquele a ser evitado. A Venezuela tem sido, pelo menos nos últimos 15 anos, a grande “fábula de advertência contra brincar com o fogo do populismo”, o símbolo mais temido da destruição política e econômica de um país.

Eleitores de Bolsonaro acreditam que caminhávamos nessa direção, pela esquerda. O equivocado apoio de governos petistas a esse país, já rechaçado por Fernando Haddad, servia como evidência suficiente para demonstrar essa hipótese, pouco importando as contra evidências oferecidas pela vida institucional brasileira dos últimos 20 anos.

Nesse período, a coluna vertebral das instituições democráticas manteve-se intacta mesmo quando um líder popular como Lula tinha força para rompê-la. Ironicamente, esse eleitor tão confiante no seu tirocínio político optou pelo mesmo destino. Desta vez pela direita, e numa via expressa.

É a Venezuela que você teme? Jair oferece o mapa e nos leva pelas mãos. Ser contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada).

Não é contradição indolor, pois afeta uma vida e um país como nenhuma outra escolha nos últimos 30 anos. A Venezuela não se converteu na grande fábula de advertência por ser “de esquerda”, como se disseminou na cartilha da manipulação política. Chegou até aqui porque o regime implodiu instituições democráticas. De novo, estudiosos sem nenhum apreço pelo petismo podem nos ajudar.

Monica de Bolle explica: “A pessoa que, mais provavelmente, transformará o Brasil na Venezuela é Bolsonaro.”

Maria Hermínia Tavares, reforça: “Se tem algo parecido ao chavismo, mas com outro sinal, é essa ameaça do Bolsonaro.”

Steven Levitsky, autor do livro Como as democracias morrem, enxerga em Bolsonaro um grande exemplo para o título de seu livro.

Para Francis Fukuyama, autor do famoso livro O fim da história, Bolsonaro é mais um membro dessa nova “Internacional Populista”, a extrema-direita sem apreço pela democracia. 

A violência política não está precificada. mercado não faz juízos morais, apenas precifica. Orienta-se, em última análise, pelo que faz a bolsa subir ou descer. Juízos morais “às favas”, como diria Gilmar Mendes, maestro do antipetismo, esse veneno que ajudou a inocular e deixou escorrer pelos dedos.

A conta financeira em favor de Bolsonaro não fecha. Esse analista de risco que seduziu o mercado não foi modesto na busca de controlar o futuro: aposta na aptidão de Paulo Guedes em preencher o vácuo mental de Bolsonaro e ser soberano nas decisões técnicas de governo; aposta na capacidade de um assessor tido como destemperado pelos seus próprios pares, os economistas, em convencer um chefe alérgico a debate; aposta que Guedes é bom gestor público sem nunca ter pisado no Estado, e que suas propostas seriam politicamente exequíveis.

Estamos diante da exuberância irracional, que não se importa com o desrespeito às regras nem com a erosão da segurança jurídica. Juízos morais às favas, o PIbb [Produto Interno da Brutalidade Brasileira] cobrará sua fatura nessa Venezuela bolsonaresca. Junto com ele vai também o PIB.

A violência política não está bem precificada, e a literatura econômica merece ser revisitada. “São as instituições, estúpido!”(grifos nossos).

Em suma, contra o potencialmente autoritário tema bolsonárico, adoto aquele que tem se difundido entre pessoas progressistas nas redes sociais:“Democracia acima de tudo, Direitos Humanos acima de todos”. Pois, para concluir com Bobbio, na abertura de seu clássico que inspira este artigo (substituo apenas a expressão “direitos do homem” por “direitos humanos”, que foi o claro sentido de Bobbio, o que faço porque, no passado, a expressão “direitos do homem” não abarcava as mulheres, às quais era negada o direito de voto, de propriedade, de liberdade em igualdade ao homem etc, ao contrário do que ocorre hoje):

O problema [dos direitos humanos] é estreitamente ligado aos da democracia e da paz, aos quais dediquei a maior parte de meus escritos políticos. O reconhecimento e a proteção dos direitos [humanos] está na base das Constituições democráticas modernasA paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos [humanos] em cada Estado e no sistema internacional. Ao mesmo tempo, o processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho obrigatório para a busca do ideal da ‘paz perpétua’, no sentido kantiano da expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos [humanos], acima de cada Estado.

Direitos [humanos], democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos [humanos] reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos; e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais deste ou daquele Estado, mas do mundo[40]. (grifos nossos)




Paulo Roberto Iotti Vecchiatti  - é Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo. Membro do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. Advogado e Professor Universitário.
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Fonte:
http://www.justificando.com/2018/10/22/lema-de-bolsonaro-tambem-usado-no-nazismo-vai-contra-nossa-era-dos-direitos/