Roberto Rossellini, diretor de cinema italiano,
dirigiu um longa-metragem que apresenta a vida de Sócrates, filósofo grego
considerado um dos fundadores da filosofia. Baseando-se nos diálogos de Platão,
o filme procura indicar os principais aspectos do pensamento socrático e seu
método de trabalho, a maiêutica, definida por ele mesmo como a capacidade de
“dar a luz às ideias”, como faz uma parteira ao promover o nascimento de uma
criança.
Num contexto em que a Grécia acabara de ser
invadida por espartanos e tebanos, Sócrates tenta se equilibrar no duro
processo de liberdade de expressão e controle político. Da tirania à democracia
escravista, os dirigentes atenienses não tomavam gosto pela argumentação, que
viam como um risco para a tradição cultural e para a vida política.
Crítico do modelo de democracia ateniense, não
propriamente pelo seu padrão elitista, mas por se fundamentar em processos de
escolha e decisão ainda pautados pela tradição religiosa grega – que não negava
em absoluto, mas via como mecanismo restritivo do livre pensamento -, Sócrates
faz muitos inimigos. Entre eles estão oradores de menor expressão e filósofos
sofistas. Invejado por sua capacidade infinita de argumentação, deixava seus
interlocutores em maus lençóis quando esgotavam seus argumentos contra o
“falastrão”.
Na prática cotidiana, corriqueira, ainda vemos essa
atitude rasteira, de baixa polidez, por parte daqueles que querem sempre minar
e destruir a situação outro. Neste aspecto, chegamos ao ponto de reflexão deste
texto. Muitos desejam a morte do outro. Seja ela uma morte moral, psíquica ou
física. Por esta razão tão vil, Sócrates foi condenado à morte, optando por
ela. Poderia ter fugido, como arquitetaram alguns, mas preferiu ser morto.
Havia outras possibilidades, como ter a língua cortada e viver isolado, mas foi
digno da morte. Estar com a língua cortada significaria, neste caso, não poder
se expressar, comportamento típico de regimes autoritários ou de pessoas que
não gostam de conviver com os contrários com civilidade.
Por mais paradoxal que pareça, na democracia também
condenamos os outros à morte. Aquela democracia, a ateniense, certamente nada
tem que ver com a atual, mas conserva a ideia original, de que os cidadãos são
donos dos destinos políticos. Por qual razão, então, Sócrates teria aceitado a
morte? Por respeito às normas políticas, por um lado e para solidificar suas
crenças mais profundas, por outro. Talvez seja uma lição para a atualidade, em
vários sentidos.
Um aspecto é acreditar no poder da argumentação
contra o conhecimento pautado em opiniões sem fundamento. Outro é a capacidade
de aceitar mecanismos de regulação social que preservam o bem coletivo,
público, sem, contudo, significar que deva haver pactos com desvios de natureza
ética. Por fim a lição principal é que em nome de posições supostamente
políticas e de preservação moral, interesses supostamente coletivos,
arquiteta-se a aniquilação dos outros, real ou simbólica.
Na democracia, como deveriam saber todos os agentes
políticos, governantes ou não, agir com o fígado inibe a razão e
inevitavelmente leva ao fracasso ético. O tempo se encarrega de ajustar contas
com aqueles que desejam sempre o pior para seus adversários, como bem lembrou
Sócrates em sua apologia, depois escrita por Platão. Trata-se de um princípio ético
fundamental. O pior de tudo é quando os adversários não são adversários. Morto
no ano de 399 a.c, no seio da democracia ateniense, Sócrates deixa uma mensagem
interessante: “Mas eis a hora de partir: eu para morte, vós para a vida. Quem
de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, exceto os deuses.”
FONTE:
http://www.viradareflexiva.com.br
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