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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Lema de Bolsonaro, também usado no Nazismo, vai contra nossa “Era dos Direitos”

Por Paulo Roberto Iotti Vecchiatti




Um dos grandes clássicos livros no estudo sobre direitos humanos é o de Norberto Bobbio, chamado “A Era dos Direitos”. Fruto de diversas conferências que o renomado autor fez ao longo de décadas, a tese central, que dá origem ao título, é uma mudança paradigmática na forma como o mundo lida com as relações entre governantes e governados. Passou-se de uma era dos deveres para uma era dos direitos, no sentido de que, antes, os códigos morais e jurídicos focalizavam-se exclusivamente nos deveres dos chamados “súditos” para com o chamado “soberano” (o “príncipe”), enquanto, a partir das Revoluções Liberais posteriores, inspiradas pelo Iluminismo, passou-se a considerar que os cidadãos teriam, primordialmente, direitos (“naturais”), anteriores ao Estado, que este deveria respeitar.

Passou-se de uma concepção orgânica de sociedade, na qual os indivíduos são vistos como meros integrantes de um todo orgânico superior (o Estado), donde não existiam “direitos individuais”, para uma concepção individualista de sociedade, pela qual o indivíduo antecede o Estado e tem direitos inalienáveis e imprescritíveis que deveriam ser, por este, respeitados.

A Revolução Francesa é o grande marco dessa virada paradigmática na História da humanidade (em termos ocidentais) A partir das lições de Kant, Bobbio aponta a Revolução Francesa foi um marco histórico que consagrou uma tendência moral da humanidade para a afirmação do direito de um povo a não ser impedido por outras forças de se dar a Constituição civil que creia ser boa, porque em harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares, que só deveriam obedecer leis que tivessem se reunido para elaborar[1]. Ou seja, de uma lógica de deveres de súditos para com um “soberano” (um rei absolutista), passou-se gradativamente a uma lógica de direitos de cidadãos em face do Estado, cujo “soberano” é não mais um rei, mas o próprio povo, embora por seus representantes legitimamente eleitos em eleições livres, para focar na lógica de democracia representativa da contemporaneidade.

Invoco a lição de Bobbio para o atual momento político brasileiro para denunciar o que vejo como graves indícios ou signos de perigosos tempos que parecem se avizinhar em nosso país. Obviamente, isso é uma interpretação a partir de determinados fatos (indícios) para, por ilação, apontar-se os riscos que se avizinham. Não se trata de certeza matemática, mas, voltando a Bobbio a partir de Kant, de uma história profética que pressagia o que pode vir a ocorrer (daí ser uma hipótese, não uma certeza incontestável), mas a partir de fatos que efetivamente ocorreram (daí ser uma hipótese que deve ser levada a sério).

Bobbio e Kant viram na Revolução Francesa um “evento extraordinário”, caracterizador de forte indício ou signo, de uma mudança na forma de encarar as relações entre governantes e governados, saindo de uma “era dos deveres” para uma “era dos direitos”. A hipótese aqui ventilada é que o lema de Bolsonaro, de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos” (sic), bem como certas declarações do candidato, de seu vice e de parte de seus eleitores tornam verossímil a iminência de tempos de autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos.

 Primeiro indício: lema consagrador de uma concepção organicista de sociedade. Pelo menos da forma como apresentado, sem ressalvas, o lema “Pátria acima de tudo” denota que o foco será na coletividade e não no indivíduo. O que fazer em caso de conflito entre direitos individuais e o “interesse nacional”, cláusula extremamente vaga usada, no passado, para justificar opressões e totalitarismos diversos? Significaria isso que o indivíduo será visto como mera “parte do todo social” e, por isso, sua individualidade só seria respeitada caso condizente com valores dominantes, como prega o comunitarismo?

O que dizer, então, do lema “Deus acima de todos”, que denota uma concepção teocrática de sociedade, absolutamente contrária à ideia de Estado Laico? Cabe lembrar que Estado Laico é aquele que é separado de Igrejas, permite a mais ampla liberdade de crenças e descrença e não permite que fundamentações religiosas determinem os rumos políticos e jurídicos do país. É o que consagra o art. 19, II, da Constituição Federal, que esse lema bolsonárico parece desprezar.

Lembre-se, ainda, que no passado, crenças teocráticas justificaram a perseguição daqueles(as) que não adotavam a religião oficial do Estado, como um singelo estudo histórico das guerras religiosas e da demanda pelo surgimento dos direitos fundamentais à liberdade de consciência e crença demonstra claramente. O famoso livro de Voltaire, “Tratado sobre a Tolerância”, muito citado (por seu título) mas pouco lido, foi escrito precisamente no contexto de guerras religiosas, denunciando “fanáticos” intolerantes que não tinham tolerância com quem tivesse visão religiosa distinta.

É verdade que o plano de governo de Bolsonaro fala em “Liberdade para as pessoas, individualmente, poderem fazer suas escolhas afetivas, políticas, econômicas ou espirituais” (p. 04). Oremos para que essa promessa seja cumprida, caso seja eleito, mas, como visto acima, isso é completamente antagônico com o lema geral da campanha que prega, que não é sequer explicado por seu plano de governo, a despeito de ser difundido como uma espécie de “princípio reitor” de sua candidatura…Inclusive porque o candidato já demonstrou não estar plenamente ciente de seu próprio plano de governo, já que, em rede social (Twitter), ironizou, como “inacreditável”, jornalista que disse que em seu programa de governo consta instituição de “renda mínima” para toda população brasileira, proposta esta que, efetivamente, consta de seu plano de governo (p. 63), tal como registrado no TSE[2]

Outra perplexidade, decorrente de contradição filosófica de ideias pregadas, decorre da chapa bolsonárica adotar como discurso liberalismo econômico. Ora, liberalismo é uma doutrina individualista por excelência, que é absolutamente incompatível com lemas organicistas e teocráticos como este de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos” (sic). O liberalismo prega que o Estado não deve intervir nas relações entre os indivíduos, exceto para garantia da segurança pública e do cumprimento dos contratos.

Consagra a lógica do “Estado Mínimo”, presumindo uma “necessária” relação hierárquica (vertical) entre Estado e cidadãos, e uma relação de igualdade (horizontal) de cidadãos entre si, razão pela qual presume que os contratos firmados pelos cidadãos seriam “acordos firmados por plena autonomia da vontade” que, como tais, deveriam valer, como se lei fossem (daí a máxima de que “o contrato faz lei entre as partes” – pacta sunt servanda).

Embora a História já tenha provado que as relações entre particulares não são necessariamente horizontais, pela pobreza de uns e riqueza de outros que gera explorações daqueles por estes (fato que gerou a criação do Direito do Trabalho, como protetivo de trabalhadores, e do próprio Direito do Consumidor),não há nada mais incompatível com a demonização que o eleitorado de Bolsonaro e o próprio candidato fazem (a partir de estereótipos) do “comunismo” do que esse lema organicista e teocrático de sociedade.

Segundo indício: declarações de Bolsonaro e de seu vice, general Mourão, e de parte de seus eleitores, senão vejamos. Bolsonaro:
1.  Declarou que “o erro da Ditadura foi torturar e não matar” (sic)[3], tendo antes disso se declarado favorável à tortura em entrevista (de 1999) em que também disse que fecharia o Congresso Nacional, por entender que ele “não funciona”, bem como que “não se vai mudar nada a partir do voto popular, mas infelizmente apenas partindo para uma guerra civil, e fazendo o trabalho que o regime [a Ditadura Militar] ainda não fez, matando uns trinta mil, começando pelo FHC” (sic), o então Presidente Fernando Henrique Cardoso[4];
2. Realizou homenagem ao coronel Brilhante Ustra, notório torturador da Ditadura Militar, em seu voto em favor do “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff, sendo que é notório que ela foi torturada por Ustra na Ditadura, algo que tanto ele sabia que afirmou que Ustra seria “o pavor de Dilma Rousseff”[5] (qualquer órgão legislativo minimamente sério teria cassado o mandato parlamentar de alguém que fez tamanha declaração de lesa-humanidade, ainda mais pela provocação feita a pessoa torturada por dito cidadão);
3. Pouco antes do absurdo atentado que sofreu, em 2018, proferiu a leviana e irresponsável fala sobre “fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre”[6] (embora seja certo que ele vá alegar que se tratou de mera “metáfora” ou algo do gênero, usada em sentido eleitoral, não consta ter feito nenhuma ressalva no momento, algo flagrantemente irresponsável, por imprudente, flagrantemente apto a gerar violência contra pessoas petistas, ainda mais no notoriamente tenso período de conflitos sociais que vivemos);
4. Falou que pretende criar um “campo de refugiados”, em Roraima, no contexto da crise migratória de pessoas vindas da Venezuela[7] (“campo de…” lembra o que mesmo?);
5.  Disse, mais de uma vez, que não aceitará qualquer outro resultado das eleições de 2018 que não a sua vitória[8], pelo fato de sentir apoio popular em todos os lugares que recebeu, insinuando fraude eleitoral em qualquer resultado contrário, nas suas ilações de pura teoria de conspiração, absolutamente desprovida de provas, sobre supostos “problemas” e “fraudes” nas urnas eletrônicas (ou seja, para ele, a eleição seria um mero rito formal de sua aclamação, algo manifestamente antidemocrático);
6. Referiu-se ao peso de pessoas quilombolas pelo objetificante termo “arroba”, dizendo que acha que determinado “afrodescendente” de lá “nem para procriador ele serve mais”[9](não obstante absolvido pelo STF em julgamento sobre o tema[10], por força de sua imunidade parlamentar e, absurdamente, pela cláusula da “liberdade de expressão”, por absurda negação da maioria apertada de 3×2 sobre um suposto caráter não-racista da declaração, é inconteste que as declarações foram de cunho racista, consoante minha análise e a de diversas pessoas, de sorte a ser absurda a afirmação do STF de que essas falas se configurariam como “liberdade de expressão”, que não permite discursos de ódio tais; sendo que, ainda que estivesse dando palestra expondo sua opinião política contrária à demarcação de terras quilombolas, um direito seu, Bolsonaro não tinha o direito de se utilizar de termos tão injuriosos às pessoas da comunidade quilombola em questão, consoante ofício que enviei, por entidades do Movimento LGBTI+, pouco antes do voto-desempate[11], de sorte a que essa lamentável decisão, reconheça ou não, acaba reformando o racismo no Brasil[12]);
7.  Já declarou que se visse um casal de homens se beijando na rua, os agrediria(“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”)[13], que um filho se torna gay por “falta de porrada”, além de que “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” e que “se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza”[14], já tendo explicitamente se declarado, em 2013,“homofóbico com muito orgulho” em vídeo[15] (embora, atualmente, isto absurdamente negue);
8. foi elogiado por ex-integrante da KuKluxKlan, entidade neonazista de extrema-direita dos EUA, que disse que “ele [Bolsonaro] soa como nós”[16] – sinal mais claro do que esse dificilmente haverá (sendo um escárnio desafiador da inteligência chamar a KuKluxKlan e o próprio nazismo de movimentos de “esquerda” – permitindo-me a ironia, “recomendo” que quem acredite nisso que diga pessoalmente a neonazista de dentro e fora da KKK de “esquerdistas” para ver o que lhes acontece);
9.  o lema “Pátria acima de tudo” (na verdade, “Alemanha acima de tudo”) foi utilizado no nazismo[17], algo que, ao que me consta, não foi sequer problematizado por Bolsonaro, que deveria, no mínimo, ter se esforçado para diferenciar seu lema do nazista (e chamar o nazismo de movimento de “esquerda” pelo nome “nacional socialismo”, em ignorância histórica completa sobre os diferentes significados deste e do marxismo, é tão absurdo como considerar a Coreia do Norte uma democracia genuína por se chamar “República Popular Democrática da Coreia”…). Esclareça-se, ainda, que, embora o termo “Alemanha acima de tudo” faça parte do hino alemão,“Durante o período nazista, a segunda e a terceira estrofes [do hino] foram suprimidas e apenas a primeira era cantada, o que criou a associação entre a expressão “Deutschlandüberalles” [Alemanha acima de tudo] e o nazismo”[18].

Uma associação que, aliás, foi noticiado que o Plenário do TSE autorizou[19]. Trata-se de algo que, no mínimo por boa-fé objetiva (padrão de conduta imponível à pessoa mediana), Bolsonaro e seu staff têm obrigação de saber e, assim, tinham a obrigação de explicar, precisamente para afastar o temor que instintivamente surge a quem sabe da utilização desse lema pelo nazismo, algo que evidentemente seria levantado em uma campanha eleitoral – na verdade, deveria não usar um tal lema precisamente por isso, mas, já que o usou, pelo menos, deveria explicar a diferença de seu lema com aquele usado no nazismo, algo que não me consta tenha sido feito…
Por sua vez, seu vice, general Mourão, afirmou, em plena campanha eleitoral de 2018:
1. falou de “possibilidade” de um “autogolpe” militar[20], por parte do Presidente da República, no contexto de que o Presidente, como Chefe das Forças Armadas, poderia convocar os militares para auxiliá-lo, caso o país atingisse determinado grau de “anomia”, de “anarquia generalizada”[21], mas, convenientemente, não explicando que tipo de situação hipotética poderia isto gerar, quando confrontado por jornalistas da evidente inconstitucionalidade dessa questão;
2. aventou a ideia de “Constituição Sem Constituinte”[22], no sentido de que uma Constituição “não precisaria” ser elaborada por representantes do povo, mas por uma mera “comissão de notáveis”, a ser posteriormente objeto de referendo popular[23] (algo que ignora a obviedade de que a discussão apenas do todo e não de artigo por artigo evidentemente não é uma forma democrática de se tratar da questão);
3.  criticou a ideia do 13º salário, como uma invenção (“jabuticaba”) brasileira (embora, depois, tenha recuado minimamente, mas continuando a criticá-lo)[24], lembrando que, ao falar em “Constituição sem Constituinte” (supra), defendeu que uma Constituição não deveria ser analítica como a brasileira, mas apenas ter “princípios gerais”, como a estadunidense – o que deixa claro que não deseja que uma Constituição contenha direitos sociais, que não estão na Constituição Federal dos EUA…
4. falou de “branqueamento da raça”[25] ao se referir à beleza de seu neto (intencional ou não, foi fala de extremo teor racista, como é evidente, que denota a inferioridade das pessoas negras, pois, do contrário, não seria logicamente possível ele falar em “branqueamento de raça” como “fundamento” para a beleza de seu neto…) – lembre-se, ainda, sua fala também racista (fosse ou não sua intenção), que ligou a “indolência” brasileira aos índios e a “malandragem” aos africanos, logo, aos negros (“Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. E eu sou indígena, meu pai era amazonense. E a malandragem é oriunda do africano. Então esse é o nosso cadinho cultural”– e o fato de se declarar descendente de índios não muda o caráter racista da declaração, no mínimo pelo fenômeno dopreconceito internalizado, a pessoa que acredita no preconceito social contra si ou, no caso, sua origem)[26];
5.  disse que famílias compostas só por “mãe e avó”seriam fábricas de “desajustados”[27] (deixando claro o machismo patriarcal que assola suas ideologias pessoas – esteja ou não consciente disso).

Sobre parte do eleitorado de Bolsonaro, temos tido absurdas manifestações de deplorável intolerância social que se sentem “legitimadas” pela candidatura de Bolsonaro, a saber:
1. o nefasto grito “oh bicharada, toma cuidado, Bolsonaro vai matar viado”(sic), em canto entoado por parte da torcida do Palmeiras[28], mas que foi cantado pela primeira vez por parte da torcida do Atlético Mineiro (que falou em “cruzeirenses” ao invés de bicharada – gerando punição, embora pífia, do clube, pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva[29]), e, depois, em metrô de SP[30] (aqui, sim, com o termo “bicharada”) e em Goiás (com o termo “panetone”, em referência à torcida do Vila Nova)[31];
2. um jogo foi criado no qual o personagem de Bolsonaro precisa matar integrantes de minorias, como LGBTs, feministas, negros e militantes de esquerda[32];
3. uma travesti foi assassinada aos gritos de “Bolsonaro”[33], o que deixa claríssimo o caráter político de tal crime, que claramente entende que a transfobia seria “legitimada” pela eleição de Bolsonaro;
4. capoeirista negro foi assassinado em discussão com eleitores de Bolsonaro, após declarar voto no PT (“O autor confesso do crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, disse à polícia que o assassinato teve motivação política. De acordo com a declaração que deu às autoridades, Santana, que votou e defendeu o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), discutia com o dono do local, que votou em Fernando Haddad(PT), quando Moa uniu-se à conversa para também defender o petista. O assassino, então, foi à casa, pegou uma peixeira e voltou ao bar para atacar o capoeirista. A delegada Milena Calmon, responsável pelo caso, descreveu Santana ao EL PAÍS como um homem ‘intolerante e agressivo’”[34].Grifos nossos);
5. relatos de agressões por vítimas de eleitores de Bolsonaro aumentaram nas redes sociais após o resultado do primeiro turno de 2018[35], já tendo sido constatado pela mídia o aumento da violência após o fim do primeiro turno por parte de eleitores de Bolsonaro (“Um mapeamento feito pelo pesquisador e jornalista, Haroldo Ceravolo, mostra mais de 50 casos de violência cometidos desde o início de outubro por defensores do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). O número aumenta a cada dia”)[36],o que Bolsonaro disse “lamentar”, mas que não seria capaz de controlar (“Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam”)[37]– algo curioso para alguém que se diz apto a acabar com a criminalidade no país, além de ter sido uma fala muito sutil para um problema tão grave; não tenho notícia de sua propaganda eleitoral ou algo do gênero conclamar seus eleitores a não fazê-lo…

Creio que esses exemplos sejam o bastante para explicar meu ponto. Estamos vivendo uma fase, no Brasil, em que pessoas intolerantes se sentem “legitimadas” pela candidatura de Jair Bolsonaro e que, por isso, obtiveram coragem para externar sua intolerância, mediante ofensas e mesmo agressões ou assassinatos. Da mesma forma que a eleição de Donald Trump fez com que simpatizantes e integrantes da nefasta KuKluxKlan se sentissem “legitimados” nos EUA (ex-líder, o mesmo que disse que Bolsonaro se assemelha a tal organização, disse que Trump “empoderou” pessoas de sua ideologia)[38], a lamentável força da candidatura de Bolsonaro tem feito com que intolerantes brasileiros se sintam “legitimados” por isso. mínimo que se espera e se pode exigir do citado candidato é que conclame seus eleitores a não fazê-lo – e de forma enfática e constante, e não meramente tímida e pontual como fez na entrevista supra citada.

Retomemos o tema do título deste artigo: desde pelo menos o marco Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tivemos uma mudança da “era dos deveres” para uma “era dos direitos” – o que não significa “direitos sem deveres”, mas reconhecimento de direitos individuais contra totalitarismos estatais, pois, obviamente, ninguém é contra que, além de direitos, haja deveres de solidariedade social em prol do bem-comum, a ideia do “Estado de Bem-Estar Social”, que consagra uma noção de “capitalismo controlado”, com intervenção do Estado no domínio econômico para evitar a opressão de particulares por outros particulares, tenta chegar a um meio-termo entre capitalismo e socialismo nas suas versões mais puras, pela lógica do “reformismo” socialdemocrata em contraposição à revolução socialista.

O individualista extremado também é problemático, o indivíduo realmente vive em sociedade e deve ter a si reconhecidos deveres de solidariedade social na busca do bem-comum, masconciliando-se isso com o respeito a individualidades, sem totalitarismos morais, religiosos ou em favor da “pátria” quaisquer. Daí a lógica do Estado de Bem-Estar Social, que consagra o capitalismo como sistema econômico, mas não permite que particulares explorem/oprimam outros particulares. A redação dos arts. 3º e 170 da Constituição Federal é emblemática nesse sentido.

Continuando, referida mudança paradigmática da Revolução Francesa teve sua consagração pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e diversas outras declarações de direitos que lhe sucederam, com a internacionalização dos direitos humanos e a ideia de que o indivíduo é sujeito de direitos não só como cidadão de um Estado isolado, mas um sujeito de direitos do sistema internacional, que deve protege-lo, atualmente por intermédio dos tribunais internacionais de Direitos Humanos (como a Corte Interamericana, a Corte Europeia e o Tribunal Penal Internacional, este visando punir crimes contra a humanidade).

Ademais, o lema bolsonárico de “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos”, denota uma concepção orgânica de sociedade, que coloca o todo social acima do indivíduo (este como uma mera peça/engrenagem do sistema social e, por isso, a ele subordinado), e, ainda por cima, uma concepção teocrática absolutamente contrária à laicidade do Estado – laicidade esta que é pressuposto do pluralismo social e da própria liberdade religiosa, como a História bem demonstra.

Esse lema é absolutamente contrário ao próprio liberalismo, especialmente à sua versão extrema, do laissezfaire, que Bolsonaro e seu economista, Paulo Guedes, aparentemente pregam para a economia, embora aparentemente, pelo menos por força de tal lema, não para os costumes (a contraditória lógica de “liberal na economia, mas conservador nos costumes”, o que significa, na prática, “liberal na economia, mas não-liberal nos costumes”, ou melhor, uma ideologia a favor do “liberalismo econômico”, mas não do “liberalismo político”, ou ainda, a favor do “Estado Mínimo” na economia, mas do “Estado Intervencionista” nos costumes – em suma, uma clara contradição filosófica, de liberalismo apenas naquilo que convém…). Um lema, portanto, contraditório à demonização que essa chapa e seu eleitorado fazem do “comunismo”(sendo que é um escárnio dizer que os governos petistas teriam sido “comunistas”, já que foram neoliberais na macroeconomia, embora tenham tido importantes ações em favor da redistribuição de renda, como demanda um Estado de Bem-Estar Social).

Por fim, as manifestações de Bolsonaro, seu vice e de parte de seu eleitorado, supra descritas, acendem um sinal de grave alerta para a Democracia e os Direitos Humanos. Há uma cegueira deliberada para as consequências lógicas das falas bolsonáricas e de seu vice, relativizando-se tudo o que dizem, pela lógica de “não quiseram dizer isso”, ou “as instituições irão controla-los” etc. Por muito menos, teorias da conspiração afirmam com elevada “certeza” que o PT levaria o Brasil à situação caótica da Venezuela, mesmo não havendo absolutamente nada nos 13 anos de governos petistas que, longinquamente, denote isso.

Na verdade, como bem disse Conrado Hübner Mendes, o risco de “venezuelização do Brasil” vem da direita bolsonárica[39]razão pela qual termino o artigo com longa citação desse belo texto deste renomado Professor:

A plataforma política de Bolsonaro ignora absolutamente a conexão entre crescimento econômico de um lado e a qualidade do estado de direito de outro. Para ficar no exemplo mais grotesco, o candidato propõe, no país em que mais se mata com arma de fogo no mundo, a liberação geral das armas e uma polícia que atira para matar como solução de segurança pública.

Esse “voto racional” em Bolsonaro, ao que parece, obedece a padrões de racionalidade que filósofos, juristas, economistas e comentaristas internacionais desconhecem.
Contabilizemos as dezenas de alertas vindos da imprensa internacional que atravessa o espectro político da direita à esquerda: da Economist ao Zeit, do Le Figaro ao Corrieredella Serra, de Financial Times à, pasmem, Fox News, assustados com a recaída autoritária brasileira sob liderança, nas suas palavras, de um personagem “neofascista” e “faxineiro racista”. Tampouco carecemos de alertas vindos da imprensa brasileira.

Demétrio Magnoli, argumenta: “A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia”.

Roberto Pompeu de Toledo, avisa: “O outro lado é duro de engolir, mas estamos diante de uma questão civilizacional”.

Arnaldo Jabor grita: “Bolsonaro pode transformar o Brasil numa desgraça definitiva.” Samuel Pessoa pondera: “Bolsonaro é o mal maior.” Não são esquerdólatras nem lulófilos os que falam. O mercado parece se dar conta do perigo dessa aposta.

No relato de Vinícius Torres Freire sobre as últimas percepções de “gente graúda da finança”, recentes críticas de Bolsonaro ao capital estrangeiro e às privatizações voltam a evidenciar a “biruta ideológica, instável e temperamental”.

Na reportagem de Mauro Zafalon, o próprio agronegócio está apreensivo com a inexperiência do candidato e o despreparo de sua equipe, um “caminho certo para um potencial desastre no campo”.
[…]
Rumo à Venezuela, pela direita. David Runciman, autor de Como a democracia chega ao fim, conta que a política democrática é ávida por “fábulas com moral”, exemplos positivos ou negativos “do possível destino que nos aguarda”. As “fábulas edificantes” recomendam o caminho a ser seguido. As “fábulas de advertência”, aquele a ser evitado. A Venezuela tem sido, pelo menos nos últimos 15 anos, a grande “fábula de advertência contra brincar com o fogo do populismo”, o símbolo mais temido da destruição política e econômica de um país.

Eleitores de Bolsonaro acreditam que caminhávamos nessa direção, pela esquerda. O equivocado apoio de governos petistas a esse país, já rechaçado por Fernando Haddad, servia como evidência suficiente para demonstrar essa hipótese, pouco importando as contra evidências oferecidas pela vida institucional brasileira dos últimos 20 anos.

Nesse período, a coluna vertebral das instituições democráticas manteve-se intacta mesmo quando um líder popular como Lula tinha força para rompê-la. Ironicamente, esse eleitor tão confiante no seu tirocínio político optou pelo mesmo destino. Desta vez pela direita, e numa via expressa.

É a Venezuela que você teme? Jair oferece o mapa e nos leva pelas mãos. Ser contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada).

Não é contradição indolor, pois afeta uma vida e um país como nenhuma outra escolha nos últimos 30 anos. A Venezuela não se converteu na grande fábula de advertência por ser “de esquerda”, como se disseminou na cartilha da manipulação política. Chegou até aqui porque o regime implodiu instituições democráticas. De novo, estudiosos sem nenhum apreço pelo petismo podem nos ajudar.

Monica de Bolle explica: “A pessoa que, mais provavelmente, transformará o Brasil na Venezuela é Bolsonaro.”

Maria Hermínia Tavares, reforça: “Se tem algo parecido ao chavismo, mas com outro sinal, é essa ameaça do Bolsonaro.”

Steven Levitsky, autor do livro Como as democracias morrem, enxerga em Bolsonaro um grande exemplo para o título de seu livro.

Para Francis Fukuyama, autor do famoso livro O fim da história, Bolsonaro é mais um membro dessa nova “Internacional Populista”, a extrema-direita sem apreço pela democracia. 

A violência política não está precificada. mercado não faz juízos morais, apenas precifica. Orienta-se, em última análise, pelo que faz a bolsa subir ou descer. Juízos morais “às favas”, como diria Gilmar Mendes, maestro do antipetismo, esse veneno que ajudou a inocular e deixou escorrer pelos dedos.

A conta financeira em favor de Bolsonaro não fecha. Esse analista de risco que seduziu o mercado não foi modesto na busca de controlar o futuro: aposta na aptidão de Paulo Guedes em preencher o vácuo mental de Bolsonaro e ser soberano nas decisões técnicas de governo; aposta na capacidade de um assessor tido como destemperado pelos seus próprios pares, os economistas, em convencer um chefe alérgico a debate; aposta que Guedes é bom gestor público sem nunca ter pisado no Estado, e que suas propostas seriam politicamente exequíveis.

Estamos diante da exuberância irracional, que não se importa com o desrespeito às regras nem com a erosão da segurança jurídica. Juízos morais às favas, o PIbb [Produto Interno da Brutalidade Brasileira] cobrará sua fatura nessa Venezuela bolsonaresca. Junto com ele vai também o PIB.

A violência política não está bem precificada, e a literatura econômica merece ser revisitada. “São as instituições, estúpido!”(grifos nossos).

Em suma, contra o potencialmente autoritário tema bolsonárico, adoto aquele que tem se difundido entre pessoas progressistas nas redes sociais:“Democracia acima de tudo, Direitos Humanos acima de todos”. Pois, para concluir com Bobbio, na abertura de seu clássico que inspira este artigo (substituo apenas a expressão “direitos do homem” por “direitos humanos”, que foi o claro sentido de Bobbio, o que faço porque, no passado, a expressão “direitos do homem” não abarcava as mulheres, às quais era negada o direito de voto, de propriedade, de liberdade em igualdade ao homem etc, ao contrário do que ocorre hoje):

O problema [dos direitos humanos] é estreitamente ligado aos da democracia e da paz, aos quais dediquei a maior parte de meus escritos políticos. O reconhecimento e a proteção dos direitos [humanos] está na base das Constituições democráticas modernasA paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos [humanos] em cada Estado e no sistema internacional. Ao mesmo tempo, o processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho obrigatório para a busca do ideal da ‘paz perpétua’, no sentido kantiano da expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos [humanos], acima de cada Estado.

Direitos [humanos], democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos [humanos] reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos; e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais deste ou daquele Estado, mas do mundo[40]. (grifos nossos)




Paulo Roberto Iotti Vecchiatti  - é Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo. Membro do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. Advogado e Professor Universitário.
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Fonte:
http://www.justificando.com/2018/10/22/lema-de-bolsonaro-tambem-usado-no-nazismo-vai-contra-nossa-era-dos-direitos/

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