Não foi o PT que se lambuzou, como diz Jacques
Wagner, mas alguns do PT que se lambuzaram e deixaram o partido melecado de
corrupção do sistema político.
Por qual razão a entrevista do ministro Jaques
Wagner à Folha de São Paulo provocou tanto furor no PT?
Até as pedras sabem que a desmoralização do Partido
no imaginário popular decorre das escolhas impostas pelos setores que
historicamente controlam e dirigem o PT: a maioria que se chamava Unidade na
Luta e que passou a se chamar Construindo um Novo Brasil [CNB].
A maioria, aliás, da qual o próprio Jaques Wagner
[assim como alguns dos seus críticos de hoje] foi um dos principais expoentes,
e através da qual ele construiu sua trajetória partidária.
Com o fim da guerra fria, sobreveio a consolidação
do poder imperial dos EUA e a expansão da globalização financeira especulativa.
E o neoliberalismo passou a exercer, então, uma hegemonia ideológica sem
precedentes, que estruturou a dominação capitalista pelas décadas
seguintes.
O PT, a mais rica e expressiva referência
partidária da esquerda democrática e socialista mundial, não ficou imune a este
fenômeno, mesmo que tenha nascido a partir da crítica radical ao stalinismo, ao
dogmatismo e a todas as formas de degeneração burocrática do chamado
“socialismo realmente existente”.
A leitura que o setor majoritário do PT fez daquela
realidade e, em conseqüência, as políticas que passou a definir, trariam
mudanças de enorme significação para o Partido, como a vida se encarregou de
demonstrar que de fato trouxeram.
Foram operadas mudanças de duas índoles: no plano
ideológico-programático; e na dimensão organizativa, do funcionamento e da
estrutura partidária.
No plano ideológico-programático, o PT passou a
relegar o esforço de elaboração teórica e política sobre a transformação
socialista do Brasil. O léxico partidário foi sendo esvaziado de conteúdos
essenciais, como da luta de classes, da democracia socialista e da construção
do poder democrático-popular.
Em lugar disso, a maioria partidária impôs a
“modernização” do PT, com o abrandamento ideológico que o tornaria mais
palatável à classe dominante e aos olhos do grande capital doméstico e
internacional. A minoria do PT, contrária a tal transmutação – porém derrotada
–, era tratada pejorativamente como jurássica, esclerosada – com o endosso da
mídia empenhada em fortalecer a desnaturação do PT.
As coalizões eleitorais incoerentes e
contraditórias, estabelecidas com partidos políticos tradicionais e inclusive
de direita [como o PP, por exemplo] para vencer eleições e ter de governar com
concessões programáticas, foram desdobramentos naturais desta visão
majoritária.
No plano organizativo, o setor majoritário do PT
logrou aprovar mudanças estatutárias que distanciaram o PT dos seus militantes
e assemelhou a democracia partidária a pantomimas onde só ficaram faltando
aquelas tietes dos jogos da liga norte-americana de basquete.
Também foi decisiva a mudança na forma de sustentação
financeira do PT. O afrouxamento da contribuição militante regular cedeu lugar
à aceitação do financiamento empresarial das eleições. A adesão a esse sistema
corrupto montado pelos partidos tradicionais e pela classe dominante que dele
se beneficiam, lesou o patrimônio ético do PT.
É indiscutível que os problemas éticos enfrentados
pelo PT hoje derivam do “giro modernizante” que afastaram-no dos princípios e
valores programáticos que fizeram parte da sua origem e constituição naquele
memorável 10 de fevereiro de 1980.
Tanto mais o PT se afastou dos seus princípios e do
seu programa e adotou os mesmos critérios da política tradicional dominante,
tantos maiores e recorrentes foram os problemas éticos que passou a enfrentar.
O único reparo recomendável às declarações do
Jaques Wagner é quanto à conjugação verbal. Não foi o PT que se lambuzou, como
diz ele, mas alguns do PT que se lambuzaram e deixaram o PT melecado na cumbuca
de corrupção do sistema político que a maioria do Congresso Nacional quer
eternizar, porque é beneficiária dele.
O problema, contudo, é que tais erros comprometeram
a imagem do conjunto do tecido partidário – o 1,5 milhão de filiados/as e as
outras dezenas de milhões de amigos/as e simpatizantes do PT. A mídia, a
oposição, e os reacionários fazem de tudo para estigmatizar e criminalizar o PT
e os petistas, o que é um absurdo grotesco: seria o mesmo que acusar toda a
torcida corinthiana de criminosa, porque três integrantes dela causaram a morte
de um torcedor num estádio da Bolívia.
Mas, a essas alturas, isso não altera o essencial:
é o PT, institucionalmente, que deve prestar contas ao povo brasileiro. Neste
momento histórico, o PT está ante os maiores desafios de toda sua existência. O
Partido não pode adiar um gesto que está atrasado em pelo menos 10 anos; uma
atitude que deveria ter sido adotada ainda em 2005: através da sua direção,
deve se reportar à sociedade, se desculpar pelos desvios que alguns cometeram
em seu nome e retomar sua vocação de partido ético, socialista, rebelde, coerente
e transformador.
Um gesto desta grandeza confere ao PT um voto de
confiança para agitar a bandeira da convocação de uma Assembléia Constituinte
para a realização da reforma política verdadeira, para extirpar esse sistema
político corrupto que corrói a nossa democracia.
Fonte:
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-PT-se-lambuzou-/4/35272
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-PT-se-lambuzou-/4/35272
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