Atribuir aos docentes a
responsabilidade pelas falhas educacionais é estratégia que desvia o foco das
verdadeiras causas.
Por Valter Mattos da Costa*
“A cultura é algo anterior ao
conhecimento, uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da
forma que dá sentido e orientação aos conhecimentos.”(Mario Vargas Llosa).
Quando a cultura é reduzida a números e
metas, esvazia-se sua função de orientar e dar sentido à experiência do
conhecimento. A sensibilidade pedagógica cede espaço à lógica fria do
desempenho, e o espírito formativo da escola se perde no labirinto da cobrança
e da punição. Atribuir ao professor a responsabilidade pelos fracassos do
sistema é negar justamente essa dimensão cultural profunda que, como disse
Vargas Llosa, antecede e sustenta o próprio saber.
As salas de aula tornaram-se arenas onde
se travam batalhas silenciosas. Não são apenas os desafios pedagógicos que
pesam sobre os ombros dos professores, mas também a crescente responsabilização
por resultados que escapam ao seu controle.
O discurso dominante, muitas das vezes,
atribui ao professor a responsabilidade central pelas falhas educacionais,
ignorando variáveis estruturais amplamente documentadas.
Os pesquisadores Cláudio Cavalcanti,
Matheus Nascimento e Fernanda Ostermann demonstram que o desempenho dos alunos
está fortemente condicionado por fatores sociais e institucionais, e não
exclusivamente pela atuação docente (“A falácia da culpabilização do professor
pelo fracasso escolar”, Revista Thema, 2018).
Como se não bastasse, a responsabilização
recorrente recai também sobre os índices de aprovação. Muitos professores,
acusados de não tornarem suas aulas suficientemente “atraentes”, são
pressionados a promover seus alunos em massa, mesmo diante de evidentes
déficits de aprendizagem.
Essa prática, longe de representar um
avanço educacional, atende sobretudo à necessidade de gerar estatísticas
artificiais que sirvam aos interesses das gestões públicas, ocultando o
fracasso estrutural do sistema sob uma aparência de eficiência.
Ao focar exclusivamente no desempenho dos
professores, desconsidera-se o impacto de fatores como infraestrutura
inadequada, falta de recursos e políticas educacionais inconsistentes. Esses
elementos, muitas vezes negligenciados, desempenham papel crucial na qualidade
do ensino.
A pressão por resultados imediatos leva à
adoção de métricas que não refletem a realidade das escolas públicas.
Avaliações padronizadas, descontextualizadas das especificidades locais,
tornam-se instrumentos de julgamento, não de melhoria.
Essa abordagem punitiva contribui para o
desgaste emocional e profissional dos docentes. Sentem-se desvalorizados,
desmotivados e, em muitos casos, culpabilizados por problemas que transcendem
sua atuação individual.
Além da responsabilização moral, impõe-se
ao professor uma precarização material profunda: os salários indignos pagos no
Brasil refletem não apenas descaso orçamentário, mas uma tentativa sistemática
de deslegitimar sua autoridade e autonomia pedagógica.
O sistema educacional brasileiro, em vez
de construir uma rede de apoio e valorização aos seus profissionais, opera,
frequentemente, por meio de mecanismos que isolam os docentes e deslocam a
responsabilidade para a base da pirâmide. Professores acabam sendo tratados
como principais responsáveis pelos resultados escolares, mesmo quando,
reiterando, atuam em condições de extrema precariedade, marcadas por
sobrecarga, escassez de recursos e ausência de suporte pedagógico contínuo.
Essa inversão de responsabilidades tem
sido denunciada por Nigel Brooke, pesquisador britânico em políticas
educacionais, que analisa os efeitos da responsabilização docente no Brasil. Em
artigo na Cadernos de Pesquisa, ele mostra como essas práticas, importadas de
modelos estrangeiros, atribuem aos professores e gestores o ônus pelos maus
resultados dos alunos, ignorando desigualdades sociais e limitações estruturais
das redes públicas (“O futuro das políticas de responsabilização educacional no
Brasil”, Cadernos de Pesquisa, 2022).
A solução para os desafios da educação
pública não reside na culpabilização dos professores, mas na construção de
políticas que reconheçam e enfrentem as desigualdades estruturais. É necessário
um compromisso coletivo com a valorização do magistério e a equidade
educacional (um princípio que corrige as desigualdades no ensino).
Somente ao reconhecer a complexidade do
cenário educacional e ao promover ações integradas será possível avançar rumo a
uma educação pública de qualidade para todos.
*Professor de História, especialista em
História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF,
doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.
Fonte:
https://iclnoticias.com.br/a-pedagogia-da-culpa-quando-o-sistema-acusa-seus-professores/?utm_source=WhatsApp&utm_medium=Grupos&utm_campaign=professores