Cada oportunidade deve ser aproveitada para divulgar e viver, em família, a sociedade que Deus planejou para seu Israel, a qual será consumada na volta de Cristo. Vigiai...!
Por Pedro Arruda
Há um risco de confundirmos os princípios cristãos com o pensamento conservador. Este sugere que o passado é, necessariamente, melhor do que o presente. Aqueles serão sempre atuais e relevantes a todas as sociedades, em todos os tempos. Foram os princípios cristãos, e não o conservadorismo, que inspiraram, por exemplo, Martin Luther King e outros a lutar a favor dos direitos civis, colocando os EUA no século 20. Foram tais princípios que estimularam os ativistas a combater o apartheid na África do Sul. No contexto familiar, a relação é semelhante, pois a família cristã deve interagir com o mundo presente, dando testemunho do reino de Deus, não de uma sociedade do passado.
Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. (Dt 6.6-7; 11.18-19)
Os judeus são um bom exemplo da prática do texto bíblico acima, que é um dos mais expressivos da Bíblia sobre a educação de filhos dentro do contexto cotidiano da família. Para eles, a transmissão da história não se reduz a uma organização cronológica das informações, mas diz respeito à própria vida de pessoas reais. Por isso, narram a libertação do Egito ou a sobrevivência ao Holocausto não apenas com os lábios, mas com as entranhas; relatam como quem tivesse participado dos acontecimentos ou os testemunhado, emocionados e com a voz embargada, como que sentindo as mesmas dores dos antepassados. Isso torna a narrativa absolutamente envolvente, especialmente para as crianças. Contada insistentemente no seio da família, a história atravessa as gerações, mantendo-se sempre atual.
Há dois aspectos na educação:
1 . Formação, responsabilidade imprescindível da família que começa a partir do nascimento e implica moldar o caráter da criança;
2. Informação, quase sempre a cargo de professores especializados em áreas específicas de conhecimento, que é transmitida principalmente por meio da escola.
É comum – e desejável – que os filhos alcancem um nível de conhecimento (informação) superior ao dos pais. Entretanto, isso não pode ser motivo para que estes se sintam constrangidos quando vão corrigi-los para aprimorar seu caráter.
A formação do caráter se dá, principalmente, de maneira casual, nas oportunidades pedagógicas que surgem de situações inesperadas às crianças na presença dos pais, dos avós ou até de irmãos mais velhos. A coerência é a base fundamental para garantir a transmissão de valores. O menor descuido pode colocar em descrédito todos os argumentos ditos insistentemente, pois os filhos se lembram muito mais das ações do que dos discursos dos pais.
Por exemplo, a maneira como tratamos um mendigo que
pede uma esmola no semáforo deve ser coerente com as respostas que serão dadas
à criança que, provavelmente, perguntará por que aquela pessoa está fazendo
isso. Numa ocasião como essa, não bastará responder-lhe “porque sim”, mas, de
acordo com a sua maturidade de compreensão, explicar que essa não é a vontade
de Deus para a sociedade; que o egoísmo humano de desejar ter muito mais que o
necessário causa falta aos outros; e que, por outro lado, uma das
características de quem serve a Deus é não esmorecer diante da vida e não se
entregar ao desânimo e aos vícios que podem também levar a uma situação de
mendicância. Tudo isso é consequência do pecado de não seguir a vontade de
Deus.
Essa é, então, uma boa chance de mostrar que a generosidade pode minimizar o sofrimento alheio. Explicações complexas sobre as falhas dos governos em não ter um serviço social eficiente, apesar de pagarmos muitos impostos, ou que já damos o dizimo à igreja não servirão de justificativa para nossa omissão, pois a criança sabe que isso não matará a fome imediata daquele mendigo.
Jamais levaremos nossos filhos a encarar o trabalho como fonte de prazer e realização se constantemente nos queixarmos diante deles do nosso emprego. Tornar-se bom motorista, com valores de responsabilidade e respeito à vida, depende muito mais do exemplo dos pais obedecendo às leis de trânsito, mesmo quando não há vigilância, do que de passar pelo processo para obter a carteira de habilitação, que transmite apenas conhecimento e habilidade. Não estacionar numa vaga reservada a idoso ou a deficiente físico ou devolver o troco excedente numa padaria, por exemplo, são atitudes que excedem as palavras ensinando o respeito ou a honestidade.
A sociedade vive hoje uma verdadeira crise de fidelidade. Ao invés de premiar permanências duradouras numa só empresa, o mercado valoriza quem tem “múltiplas experiências”; marcas tradicionais são ameaçadas de abandono pelos consumidores; pais tiram os filhos de uma escola para colocar em outra que proporcione mais vantagens; famílias inteiras procuram igrejas que ofereçam “serviços” mais completos ou adequados.
Curioso é notar que, na mesma proporção em que decresce a valorização da fidelidade e dos compromissos, cresce o apego aos bens materiais e, em particular, ao dinheiro, único objeto que Jesus qualificou como deus porque promete tudo o que só Deus pode dar.
No passado, era comum ouvir pais relatando que não se separavam por consideração aos filhos. Atualmente, porém, há casais que permanecem juntos apenas para evitar os custos financeiros de um divórcio. Até igrejas estão se curvando à riqueza de maneira mais aviltante do que durante a tão comentada aliança com o império romano no século quarto. (Esperamos que não surja um “programa de fidelidade” a favor de alguma igreja, como fazem diversas empresas para enfrentar a concorrência…)
A frase Deus é fiel, adesivada nos veículos, deve refletir nossa disposição à fidelidade, protegendo nossos relacionamentos da inconsistência. Familiares, amigos ou sócios não são descartáveis. O relacionamento conjugal não pode ser objeto de diversão transitória para jovens solteiros. Não podemos contribuir para as estatísticas do IBGE, que constata que apenas três entre cada dez casais completam uma década de matrimônio.
As eleições se aproximam. Meus filhos nasceram nos anos 1980, em um período de redemocratização e efervescência política. Sempre me fiz acompanhar de algum deles às urnas, aproveitando para mostrar que nossas escolhas no processo político eleitoral não devem ter como objetivo as vantagens pessoais, mas o favorecimento do mais necessitado. Devemos optar pelo que mais se assemelha ao projeto de sociedade sem oprimidos ou opressores, conforme o desejo de Deus.
Mesmo considerando que o reino de Deus não se resolve com eleições, podemos ter um comportamento aliado a ele nessa ocasião. Como ninguém está isento de participar da política (nem mesmo os que se dizem apolíticos), também os omissos contribuem para a ordem vigente. Por isso, devemos agir com sabedoria e responsabilidade.
Não resta dúvida de que a corrupção é o mais nefasto dos crimes, pois, sutilmente, rouba de quem tem menos. Por ocasião de eleições, ela emerge com muita intensidade, porque o que não nos falta é político tentando comprar votos – tampouco eleitor tentando vendê-lo. O voto trocado por benefícios pessoais ou coletivos sempre será fruto de uma transação corrupta, quer seja a ornamentação de uma escola de samba, quer seja a instalação do sistema de som numa igreja. E tudo isso são valores que devem ser “inculcados” nos nossos filhos em todas as oportunidades – e a corrida presidencial talvez seja a mais preciosa das oportunidades.
No Antigo Testamento, Deus providenciou para Israel uma lei que formava uma verdadeira rede de proteção social. Proibia a cobiça das coisas alheias, preservava a integridade matrimonial (vetando o desejo sobre a esposa do outro), previa o envelhecimento com dignidade por meio de uma previdência social familiar (“honra teus pais”), proibia o roubo de todas as formas e em qualquer esfera (incluindo a corrupção), promovia a aplicação justa da lei e sem falso testemunho etc.
Se observarmos atentamente, veremos que o fenômeno do surgimento da igreja como experiência inaugural em Jerusalém estava diretamente relacionado com o que foi prescrito na lei aos hebreus. Também não poderia ser diferente, pois a única mudança na lei foi quanto ao lugar: de escrita em tábua de pedra, passou a ser inscrita nos corações. A igreja cumpriu, em escala pessoal, o que se esperava de toda a nação.
A vinda do Espírito Santo no Pentecostes não provocou um avivamento na religião judaica envolvendo sacerdotes, escribas, doutores da lei ou fariseus. Pessoas absolutamente comuns foram alcançadas por essa benção que transformou o estilo de vida de suas famílias, correspondendo àquele projeto de sociedade que Deus propusera aos hebreus.
Uma das formas mais práticas de buscar o reino vindouro, que há de trazer justiça completa e permanente em todas as áreas, é viver desde já os seus princípios no lar, até onde nos for possível, e ensiná-los aos nossos filhos até que ele venha.
0 comentários:
Postar um comentário