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sexta-feira, 3 de junho de 2011

O poder corrompe


Como e por que a autoridade política transforma as relações sociais quando confunde os privilégios do cargo com benesses pessoais
Ao longo da história, muitas e variadas têm sido as formas de descrever o poder político, e talvez não haja nenhum outro dito tão conhecido e tão citado quanto este, pronunciado por Lord Acton. A imputação de que o poder absoluto é intrínseca e irremediavelmente corruptor ganhou uma validação quase irrefutável com a experiência dos totalitarismos do século XX, seja na versão nazista, seja na stalinista. Tais exercícios levaram o conceito de poder absoluto ao seu extremo. Frente a ele, o exemplo dos chamados monarcas absolutistas dos séculos XVII, XVIII e XIX, permanece muito aquém dos limites de brutalidade, arbitrariedade e de desagregação das estruturas sociais atingidas pelos sistemas totalitários.

Lord Acton: "O poder tende a corromper - e o poder absoluto corrompe absolutamente".
Não somente o passado recente comprovou a sabedoria do dito de Lord Acton, mas a própria teoria política, desde a mais remota antiguidade, já afirmava que o poder absoluto corrompe plenamente. Platão, ao comparar as formas de governo, em sua "República", situa a tirania como a pior de todas elas.
O filósofo grego descreve com maestria como o tirano alcança o poder - com o apoio ingênuo das massas; a maneira como transforma este poder em poder absoluto - eliminando seus adversários; como substitui as pessoas de qualidade que, iludidas, o acompanharam - substituindo-as por indivíduos corruptos e submissos; como se cerca de uma guarda pessoal e de como é forçado a recorrer a guerras - para distrair a atenção do povo. Sua representação da tirania como forma de governo e a deformação que introduz na personalidade do tirano é clássica e definitiva, antecipando em detalhes o comportamento dos totalitários modernos.
O poder que não é absoluto
Esclarecido, então, que o poder absoluto corrompe absolutamente quem o exerce, persiste a dúvida: por que o poder que não é absoluto tende a corromper? Em primeiro lugar, é necessário conceituar mais precisamente o significado de "corromper", já que a expressão, em sua correta acepção, não equivale, necessariamente, à prática da corrupção.
O sentido do verbo corromper é muito mais amplo e significa a transformação que se opera no indivíduo que é alçado a posições de poder que o tornam diferente dos demais cidadãos. A ascensão a funções de poder político deslocam o sujeito da esfera da vida privada para a da vida pública - e esta não é uma mudança banal. Principalmente porque a autoridade política implica poder sobre as pessoas. Ela agride o sentimento profundo de uma radical igualdade entre os indivíduos.
Liberdade e organização
O poder tende a corromper porque há um inclinação em perceber as homenagens e deferências prestadas ao cargo como se fossem dedicadas à pessoa
O poder político tem sua origem na necessidade - e não na espontânea vontade - de os indivíduos viverem submetidos a uma autoridade. Todas as sociedades, em todos os tempos, tiveram que definir sua própria combinação entre liberdade e organização. Uma coletividade na qual os cidadãos são totalmente livres é uma utopia. Assim como é totalitária uma sociedade onde a liberdade individual é substituída pela adesão disciplinada e compulsória às regras ditadas por quem detém o poder.
Na verdade, todas as obras dos autores clássicos da teoria política ocidental podem ser resumidas nesta polaridade: como conciliar liberdade e organização? O controle sobre os demais, exclusivo da esfera política, diferencia-se, portanto, de todas as outras formas de poder existentes na vida em sociedade.
Tal modalidade de domínio, amparado no uso legítimo da "sanção física" (punição), é exclusivo do Estado, que detém o seu monopólio dentro de um território definido e sobre uma população determinada. No seu limite, o poder pode chegar a exigir a vida dos que a ele estão submetidos. Na sua operação normal, ele depende do que Max Weber chamou de "uso ou ameaça de uso da sanção física", para assegurar o respeito às leis.
Não é por outra razão que o poder sobre os outros sempre precisou ser justificado por alguma doutrina. Sem um arrazoado nobre que o legitime, adquire contornos insuportáveis. Religião, tradição, nação, classe, partido e soberania popular foram, ao longo da história, os principais critérios que legalizaram uma determinada autoridade.
"O poder tende a corromper" porque faz de seu detentor uma pessoa diferente das demais. Cerca-a de símbolos, distinções, privilégios e imunidades que sinalizam sua hierarquia superior. Regras de cerimonial regulamentam o comportamento na sua presença. Gestos de deferência e respeito lhe são devidos. Com o passar do tempo, a transformação do indivíduo privado em autoridade pública se consuma. No bojo desta metamorfose está embutido o risco da tendência corruptora do poder, sobre a qual fala Lord Acton.
O poder tende a corromper porque há um inclinação em perceber as homenagens e deferências prestadas ao cargo como se fossem dedicadas à pessoa. Na política, como na Igreja Católica, cedo foi necessário deixar bem claras as distinções existentes entre os poderes da função (múnus) e as contingências sempre precárias da natureza humana. Na Igreja, os poderes sacramentais de um sacerdote não são afetados por suas falhas pessoais, preservando-se na sua plenitude.
O poder na política

Na política, os privilégios, distinções, imunidades, homenagens e deferências referem-se ao cargo e não à pessoa
Na política também ocorre o mesmo. Os privilégios, distinções, imunidades, homenagens e deferências referem-se ao cargo e não à pessoa que, eventual e circunstancialmente, os encarna. Sem esta distinção entre a santidade da função (Igreja) ou os poderes do cargo (Política) e a fragilidade da natureza humana, ambas as instituições somente poderiam sobreviver se os membros que as incorporam fossem moralmente perfeitos - um ideal utópico e, obviamente, irrealizável.
A observação de Lord Acton insere-se exatamente neste ponto. A fragilidade da natureza humana tende a provocar uma distorção personalizante no exercício do poder político, com o eventual titular da função pública apropriando-se, de variadas formas, dos poderes que são inerentes ao cargo e não à sua pessoa.
A advertência de Lord Acton é um eco, distante 19 séculos, da frase que o escravo que segurava a coroa de louros sobre a cabeça do general vitorioso pronunciava, incessantemente, ao seu ouvido, durante o "triunfo" (a entrada em Roma e o desfile pela cidade a frente de seu exército): "Não te esqueças de que és humano"

Fonte: blog consciência política

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